Valor
A juíza do trabalho Tatiane Raquel Bastos Buquera, da 2ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 9ª Região, determinou que Itaipu Binacional se pronuncie em cinco dias sobre a situação financeira da empresa diante do bloqueio de seu orçamento, que impede o pagamento de fornecedores e funcionários.
A decisão, “improrrogável”, foi uma resposta à ação impetrada pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Produção, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica de Fontes Hídricas, Térmicas e Alternativas de Foz do Iguaçu (Sinefi). O sindicato busca garantir o pagamento dos salários e benefícios dos funcionários, como férias.
O sindicato pediu ao TRT uma liminar na qual exigia, entre outras medidas, o pagamento de salários dos funcionários até o dia 25 e que Itaipu pague multa diária de R$ 10 mil por dia em caso de eventual atraso no pagamento, bem como penalidade de R$ 5 mil para cada funcionário afetado.
Na ação, o Sinefi reclama que Itaipu não havia realizado o pagamento do adicional de férias e 13º salário. O sindicato diz na ação que o bloqueio no orçamento de Itaipu pode impedir ainda o pagamento dos salários dos colaboradores, previsto para ser feito nesta quinta-feira (25).
O bloqueio nas finanças da empresa ocorre diante do ime para a definição das tarifas de geração da usina binacional e do orçamento para 2024. Em 2023, o orçamento da empresa foi de US$ 2,48 bilhões (R$ 12,4 bilhões). O número para este ano não está fechado porque, primeiro, é preciso chegar a um entendimento sobre as tarifas de Itaipu.
O governo do Paraguai não aprovou o chamado “procedimento provisório”, iniciativa que permite à empresa manter pagamentos de contas e salários, entre outras despesas, enquanto tarifa e orçamento são discutidos.
A iniciativa impede as movimentações financeiras de todas as contas orçamentárias, incluindo pagamento de todas as obrigações desde o início do ano, apurou o Valor. Com isso, todos os fornecedores estão sem receber, como prestadores de serviço de alimentação e transporte de funcionários, entre outros.
O travamento das movimentações financeiras de Itaipu motivou, inclusive, que a agência de classificação de risco S&P Global colocasse a nota de crédito de Itaipu em observação, com possibilidade de rebaixamento.
Em uma circular enviada a profissionais de Itaipu, à qual o Valor teve o, os diretores da empresa afirmaram que têm “envidado todos os esforços” e devem honrar todos os seus compromissos com pessoal e fornecedores, o mais rápido possível.
Na carta, o comando do lado brasileiro da usina explica que os dois países buscam um ponto de equilíbrio para a tarifa e lista medidas para reduzir prazos de pagamento. Itaipu tem quase 3 mil colaboradores, entre brasileiros e paraguaios.
“Não se trata de problema de fluxo de caixa, mas, sim, falta de consenso quanto à definição dos chamados ‘Procedimentos Provisórios e Extraordinários para a Realização de Despesas’, necessários em virtude da indefinição da tarifa e do Orçamento para 2024”.
Os procedimentos provisórios estavam pautados para aprovação desde 15 de dezembro de 2023 em reunião do conselho de istração, porém, a pedido da “margem direita”, como é conhecido o lado do Paraguai da usina, o debate foi “postergado e não mais pautado”, afirma a circular, assinada por toda a diretoria de Itaipu.
Ainda de acordo com a circular, Itaipu afirma que a “margem esquerda” (como é conhecido o lado brasileiro) segue pronta para aprová-lo, está comprometida e entende que a discussão sobre a tarifa pode ser feita no momento e no foro adequado, sem paralisar a empresa e prejudicar os empregados e fornecedores.
Segundo fontes, não é a primeira vez que Itaipu inicia um ano sem orçamento aprovado, mas é a primeira vez em 50 anos, desde que o Tratado de Itaipu foi assinado, que um dos países não autoriza os procedimentos provisórios enquanto são discutidas as bases do orçamento.
Em 2012, 2022 e 2023, a empresa conseguiu movimentar-se porque os dois países aprovavam em consenso o “procedimento provisório”.
Em 2012, por exemplo, o orçamento foi aprovado em outubro. O bloqueio, segundo as fontes, impede ainda que Itaipu busque empréstimos bancários porque essa medida também depende de aceite dos paraguaios.
“Dentro do que é possível, esta entidade já vem adotando algumas medidas para diminuição dos impactos gerados, como I) a realização dos cálculos e processamento de todos os pagamentos de férias, 13º e outros pagamentos de pessoal, para que seja imediato o pagamento assim que o sistema estiver liberado; II) o ajuste de viagens que podem ser adiadas, para não forçar empregado a se deslocar sem diária; e III) a flexibilização dos procedimentos para remarcação de férias”, diz a binacional na carta.
Procurada pela reportagem, Itaipu afirmou em nota que entende que o cenário será provisório e pontual, devido ao histórico da empresa.
“Os diretores e conselheiros brasileiros estão buscando todas as medidas possíveis para reduzir os prazos de pagamento e solucionar a questão o mais breve possível”.
Funcionários confirmaram à reportagem em condição de anonimato que a situação piorou com o atraso de salário do pessoal que saiu de férias sem o pagamento. “Se a situação não for resolvida até o dia 25 de janeiro, quando cai todos os pagamentos, a expectativa é de greve”, alertou.
Travar o orçamento foi uma medida encontrada pelo presidente do Paraguai, Santiago Peña, para pressionar o Brasil a reajustar as tarifas. Foi Peña quem pediu a reunião com Lula para discutir a questão tarifária, no dia 15 de janeiro.
A tarifa de Itaipu é calculada com base no pagamento da dívida e das despesas para manter a usina. O valor, denominado Custos de Serviço de Eletricidade (Cuse), é de US$ 16,71/kW.
Em abril de 2023, a tarifa era de US$ 20,75/kW e foi reduzida no fim do mandato do ex-presidente Mario Abdo Benítez, o que deu fôlego a Peña para buscar condições melhores.
Chanceleres dos dois países estão negociando a definição da tarifa. Está prevista uma nova reunião entre Brasil e Paraguai, ainda sem data definida.