O Globo
Interlocutores do general Walter Braga Netto, preso há 85 dias em uma instalação do Exército no Rio e denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por golpe de Estado e outros quatro crimes, têm manifestado uma crescente mágoa com a cúpula do Exército diante do avanço do cerco da Justiça a aliados de Jair Bolsonaro acusados de tramar uma conspiração para impedir a posse de Lula em 2023.
Na avaliação de pessoas próximas do ex-candidato a vice de Bolsonaro, a Força estaria empenhada em “limpar” sua imagem – dos 34 denunciados pela PGR, 24 são militares – sem itir a suposta omissão da instituição diante da trama golpista.
Em conversas entre si e com a equipe do blog, estes mesmos aliados lembram que, embora os comandantes Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos de Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) tenham dito em depoimento à Polícia Federal (PF) que se recusaram a aderir ao plano golpista de Bolsonaro, nada fizeram para denunciar a tentativa de golpe em curso e nem para desmobilizar os acampamentos na porta de quartéis em todo o Brasil.
Pelo contrário. No dia 11 de novembro de 2022, quase duas semanas após a derrota de Bolsonaro para Lula no segundo turno, os três comandantes divulgaram uma carta reconhecendo os acampamentos como legítimos e repudiaram qualquer repressão aos participantes.
Um áudio encaminhado por Mauro Cid a Freire Gomes na mesma data mostra que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro celebrou a publicação da carta.
“Eles estão se sentindo seguro [sic] para dar um o à frente. Então, os organizadores dos movimentos vão canalizar todos os movimentos previstos [inaudível] o dia 15 como ápice, a partir de agora. Tá pro Congresso, STF, Praça dos Três Poderes basicamente”, disse Mauro Cid na ocasião.
Esse tipo de postura alimenta a mágoa dos aliados de Braga Netto como Exército. Havia expectativa de algum tipo de defesa, mesmo com Braga Netto fomentando a revolta na tropa contra os generais “melancias”, que não embarcaram no plano golpista.
“Eles estão tentando limpar o CNPJ deles, que está todo manchado”, completou, em referência ao que os bolsonaristas consideram ter sido uma atitude omissa das Forças Armadas.
O entorno do general também lembra que Bolsonaro era próximo do Alto Comando do Exército e frequentava com regularidade os encontros, incluindo almoços com conversas descontraídas. Segundo o relatório final da Polícia Federal, o golpe não ocorreu em função da resistência dos chefes do Exército e da Aeronáutica e do Alto Comando.
“Se houve de fato um racha no Alto Comando, por que nenhum deles [contrários ao golpe] telefonou para demover o presidente da ideia de um decreto? Eles esperaram para ver o que ia acontecer”, reclama um colega de farda de Braga Netto.
Conversas secretas
Outro incômodo é com o fato de o relatório não ter detalhado as respostas de Freire Gomes em conversas com o tenente-coronel Mauro Cid em um dos aplicativos de mensagens usados pelo Exército, o UNA. Nos autos, apenas as falas de Cid são reproduzidas.
“Por que não botaram a resposta dele? Dependendo da fala do Freire Gomes, o papel dele muda completamente”, afirma um aliado de Braga Netto.
Outro detalhe nas investigações explorado por interlocutores de Braga Netto é ausência do ex-comandante do Exército Júlio César de Arruda nos autos. Escolhido pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, Arruda foi demitido por Lula após o 8 de janeiro em razão de uma até hoje inexplicável recusa em revogar a nomeação de Mauro Cid para o Batalhão de Ações e Comandos de Goiânia, espécie de quartel-general dos kids pretos, que tiveram papel crucial na trama golpista.
“Enquanto o Exército não fizer uma análise criteriosa e real do que aconteceu, com erros ou acertos, ficarão tentando achar uma solução para essas lacunas”, provoca uma fonte ligada ao ex-candidato a vice de Bolsonaro, em referência à suposta omissão militar diante da trama golpista.
Braga Netto, que também foi ministro da Casa Civil e da Defesa, foi preso preventivamente em 14 de dezembro acusado de obstruir a Justiça durante as investigações da trama golpista. Ele está detido desde então na 1ª Divisão do Exército, na Vila Militar, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Para o STF, que acatou o pedido de prisão da PGR, o general tentou obter informações sigilosas da delação de Mauro Cid, homologada em 2023 junto à PF.
Antes de embarcar no governo Bolsonaro, ainda na ativa do Exército, Braga Netto foi chefe do Estado Maior do Exército entre 2019 e 2020 e chefiou a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro entre 2018 e 2019 determinada pelo então presidente Michel Temer. À época, ele chefiava o Comando Militar do Leste.