Folha de S.Paulo
Na esteira da declaração de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), outros políticos também têm se beneficiado por decisões judiciais similares contra magistrados.
Uma delas pôs em xeque uma vasta operação anticorrupção deflagrada em Mato Grosso do Sul, que chegou a prender um ex-governador.
Além disso, em janeiro, também foi afastado o magistrado que conduzia ação de improbidade contra Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
Entre os motivos alegados contra os magistrados está a quantidade de perguntas feitas a testemunhas em audiência.
A declaração de parcialidade ocorre quando um tribunal, após pedido de ao menos uma das partes, analisa se o juiz responsável pela causa agiu de modo que tenha comprometido a sua equidistância entre a defesa e a acusação.
A legislação diz que o juiz deve ser considerado suspeito “se for amigo íntimo ou inimigo capital” de uma das partes ou se tiver aconselhado uma delas, entre outros motivos.
Moro virou o caso mais famoso dos últimos anos, após julgamento do STF no ano ado.
A corte considerou que ele conduziu de modo parcial processo contra o ex-presidente Lula (PT), o que levou à anulação de condenação no caso do tríplex de Guarujá (SP) e de provas colhidas.
Lula e Moro, que se filiou ao Podemos em novembro ado, devem se enfrentar na campanha presidencial deste ano.
Em Mato Grosso do Sul, as decisões atingiram a Operação Lama Asfáltica, que investigou suspeitas de um esquema de corrupção que teria desviado R$ 235 milhões dos cofres públicos. Em 2017 e em 2018, o ex-governador André Puccinelli (MDB) foi preso em fases da operação.
Um dos alvos dela é o ex-deputado federal Edson Giroto (MDB), que foi condenado em uma das ações da Lama Asfáltica, sob acusação de ter usado dinheiro de corrupção para comprar uma fazenda.
Foi em um outro inquérito do caso, que apurava se Giroto havia recebido propina na forma de voos de aeronave particular, que sua defesa apresentou um recurso que acusava o juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira de suspeito para atuar no processo.
Para a defesa, o juiz havia feito prejulgamento, atuou com “excesso de eloquência acusatória” e agiu movido por interesses pessoais. À época, o magistrado negou as acusações e disse que não existiu comprometimento à sua imparcialidade.
Em outro documento, os advogados alegaram que o magistrado adotou “postura claramente inquisitória ou acusatória” durante o depoimento de três testemunhas da defesa.
Para ele, isso vai de encontro a um entendimento do STF que apontou que “o juiz não pode ser protagonista na inquirição de testemunhas em um processo penal”.
“O magistrado formulou 29 perguntas à testemunha, pesquisando na internet acerca da busca de empresas de asfalto do tipo CBUQ para tentar descredibilizar sua alegação de que no estado, à época, havia apenas poucas empresas que produziam esse tipo de asfalto”, afirma o texto da defesa, assinado pelo advogado Daniel Bialski.
Outra crítica é que o magistrado teria demonstrado “traços escusos de promoção pessoal” ao chamar, por exemplo, a Lama Asfáltica de “o maior escândalo de corrupção do estado”.
Em dezembro, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) decidiu declarar o juiz suspeito para atuar no caso e anulou todos os atos decisórios desde o recebimento da denúncia.
O Ministério Público Federal questiona essa decisão, já que nesse processo em questão não tinha sido nem o juiz considerado suspeito que aceitou a denúncia.
O órgão recorre. Diz que havia, só nesse processo, 35 testemunhas de defesa —e que os advogados questionam a conduta do magistrado no depoimento de apenas três delas.
“A realização de questionamentos complementares pelo magistrado buscou o esclarecimento de pontos que não restaram suficientemente sanados após os questionamentos feitos pelas partes, inclusive pela defesa”, afirma o Ministério Público.
A decisão do TRF-3 levou outros quatro processos da Lama Asfáltica, inclusive relacionados à Puccinelli, à suspensão.
O juiz foi procurado pela reportagem, por meio da assessoria do TRF-3. Em resposta, o tribunal informou que a lei proíbe o magistrado de opinar sobre processos em andamento ou fazer juízo depreciativo de decisões.
Bialski, advogado de Giroto, afirma que decisões como a do TRF-3 e a do STF sobre Moro são um avanço ao mostrar “que existem juízes que não sabem separar o que é direito de defesa e de acusação”.