Brasil de Fato
Pernambuco atualmente tem cinco cidades no processo de armar institucionalmente suas Guardas Civis Municipais (GCM). A informação foi ada para o site Brasil de Fato pela Polícia Federal (PF), órgão ao qual as prefeituras precisam requerer a solicitação do porte de arma de fogo. A polícia não informou quais são as que pediram o armamento, mas fontes ouvidas pela reportagem disseram que uma delas é Itapissuma – município da Região Metropolitana do Recife (RMR) onde um guarda municipal foi preso por ter assassinado, no último dia 13, um homem com três tiros nas costas na frente da esposa e do filho.
Olinda, na RMR, confirmou por nota que já protocolou o pedido de autorização e está aguardando a análise do documento. A prefeitura foi a única que respondeu entre todas as apontadas como possíveis solicitantes e procuradas pelo BdF. Afora as cinco, Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, também no Grande Recife, já firmaram o convênio com a Polícia Federal que garante o armamento de suas GCMs.
Por que a guarda quer se armar?
O armamento institucional é uma demanda da categoria dos guardas civis. Virou, inclusive, pauta de candidato ao Governo de Pernambuco – mesmo se tratando de uma atribuição dos municípios. É o caso de Miguel Coelho (União Brasil), que propõe armar 9 mil agentes e integrá-los às forças de segurança para atuar no combate ao crime.
Na candidatura para a Prefeitura do Recife em 2020, Marília Arraes (Solidariedade), que agora pleiteia a vaga do Palácio Campo das Princesas, conversou com o Sindicato da Guarda Municipal do Recife e itiu a possibilidade de armá-la.
Esse é um interesse rebatido pela Polícia Militar. Em 2014, a PM e o MPF contestaram a lei do Estatuto das Guardas Civis, que reconhecia o poder de polícia da GCM. Essa disputa de poder entre as duas forças de segurança e o simbolismo que evocam as armas podem ser hipóteses, do ponto de vista sociológico, que motiva ainda mais o pleito dos guardas municipais.
“Eu acho que esse interesse pelo uso do armamento está ligado no caso da percepção das guardas, sim em função do fetiche de uma visão distorcida de que o uso da arma de fogo os tornariam mais poderosos, efetivos e assertivos. Existe essa percepção, do ethos de herói, do guarda policial. Acho que outro elemento é a questão das relações de poder, como ela é percebida pelos próprios pares quando ela tem arma e não tem”, complementa Pazinato.
Outro fator, lembra o especialista, é a própria segurança dos agentes. “É uma terceira questão, ainda ligada à dimensão do poder, que se dá pelo fortalecimento das guardas, pela complexidade das situações a que elas vão se sujeitando. A gente vem percebendo que há um reclamo por condições de trabalho, e a arma é um elemento. Inclusive por posicionamento das próprias guardas acaba tomando uma centralidade”, diz.
Como funciona o processo?
O trâmite é o seguinte: para firmar o Acordo de Cooperação Técnica de concessão do porte de arma à guarda municipal, o prefeito precisa apresentar o seu pedido à PF, que então dará as orientações sobre normas e documentações exigidas. Cabe à Polícia Federal a função de verificar o cumprimento dos requisitos e fazer o controle e fiscalização, seguindo o que estabelece o Estatuto do Desarmamento, explica Afonso Marangoni Junior, chefe da Delegacia de Controle de Armas e Produtos Químicos.
“Cumprida esta etapa, exige-se uma capacitação específica da guarda municipal em conformidade com a matriz curricular estabelecida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, além de outras condições, como a instituição de uma corregedoria própria e independente, bem como uma ouvidoria como órgão permanente, autônomo e independente. Atualmente, qualquer município pode manifestar interesse em firmar o convênio, sem exigência de população mínima”, detalha.
O Estatuto das Guardas Municipais (lei federal nº 13.022) define que as corregedorias só são obrigatórias para cidades onde a GCM tenha um efetivo superior a 50 servidores ou seja armada. Portanto, os municípios com menos agentes precisarão criar o órgão de controle interno para conseguirem a autorização do porte de arma. As guardas municipais também estão sujeitas à fiscalização do Ministério Público Federal (MPF).
Contudo, há dúvidas se esses mecanismos de controle seriam suficientes para prevenir excessos no uso da força, já que o exemplo da Polícia Militar demonstra frequentes ocorrências de violação dos direitos humanos, sobretudo contra a população periférica e negra.
De acordo com Eduardo Pazinato, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), hoje em dia cerca de 50% das GCM do Brasil possuem armamento de fogo. Existem entre 1.000 e 1.200 guardas municipais – ou seja, 20% dos 5.570 municípios do País contam com esse tipo de patrulhamento. Há três décadas, o segmento vem crescendo, e hoje equivale a um quinto das forças de segurança pública.
Apesar disso, não há pesquisas suficientes que investiguem diretamente se o uso da arma de fogo tenha gerado práticas abusivas da atuação da guarda, comenta o especialista.
“Objetivamente, os casos que tenho acompanhado ao longo das últimas duas décadas de uso abusivo da força em geral envolvem a PM, porque são mais expressivas e estão no contato direto da ostensividade. Para as GCM, obviamente na medida em que se fortalecem, aumentam em quantitativo e am também a usar armas de fogo, aumentam os riscos de cometimento de abusos”, aponta Pazinato.
Frente a esse cenário, a garantia de que as guardas vão seguir princípios só pode existir com controle social, ele pontua: “Esse é um tema fundamental para consolidação do estado de direito no Brasil”. Uma atuação menos violenta aria também pelo aprimoramento dos critérios de autorização e do treinamento.
“A GCM e o prefeito necessita de todo um apoio técnico para poder se preparar para a utilização de arma de fogo. Não é só contratar um curso para ensinar os guardas a usar a arma. É muito mais amplo. É desenvolver um plano municipal de segurança, capacitar a guarda na matriz curricular nacional, que tem 466 horas aulas de formação afora as aulas para uso de aulas de fogo, que são de pelo menos 80 a 100 horas por ano. É necessário que a guarda tenha um curso de formação inicial e seja preparada por porte de arma, e não uma vez só”, defende.