O Globo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega ao fim do seu terceiro semestre no governo enfrentando uma espécie de “tempestade perfeita”, nas palavras de um auxiliar. Embora tenha anunciado iniciativas de destaque de janeiro a junho, o petista acumulou derrotas no Congresso, viu um ministro ser indiciado pela Polícia Federal (PF) pela primeira vez neste mandato, enfrentou a reação do mercado diante de tropeços na comunicação e teve que lidar com a queda na popularidade.
Para tentar reagir no segundo semestre, Lula vai apostar em viagens para canteiros de obras país afora, onde tentará, sobretudo, ajudar aliados nas eleições de outubro. Em outra frente, a estratégia é intensificar a comparação de sua gestão com a de Jair Bolsonaro (PL), sem citar nominalmente o ex-presidente, como já ocorreu ao menos duas vezes esta semana durante viagem a Minas Gerais, e ampliar acenos ao eleitorado de centro.
Nos bastidores, Lula já itiu a necessidade de retomar bons índices de popularidade para ganhar mais fôlego na tarefa de levar adiante os projetos do governo. Por isso, a sensação de aliados do presidente foi de alívio após a mais recente pesquisa Datafolha, de 18 de junho, quando a rejeição à gestão federal parou de crescer e oscilou dentro da margem de erro, de 33% para 31%. Um ministro que viajou no avião com o mandatário na semana ada afirma que, apesar dos percalços, o petista tenta ar a imagem de que está otimista com os próximos meses.
A pesquisa do Datafolha foi divulgada logo depois daquela que foi considerada por interlocutores do presidente como a semana mais difícil dos 18 meses de governo. Em um intervalo de quatro dias, entre 10 e 14 de junho, Lula precisou lidar com a devolução pelo Congresso de uma Medida Provisória, algo raro na relação entre os Poderes, e ainda teve de cancelar um leilão aberto para comprar arroz após suspeitas de irregularidades.
Na mesma semana, também enfrentou o constrangimento do primeiro indiciamento de um ministro da atual gestão. A PF apontou que há indícios de que o chefe da pasta das Comunicações, Juscelino Filho, fez parte de um suposto esquema de desvios de emendas parlamentares quando ainda era deputado federal. Juscelino, indicado para o posto pelo União Brasil, nega qualquer irregularidade e contesta as investigações.
Diante da repercussão, o presidente fez uma inflexão ao tratar do caso nos últimos dias. Se antes mantinha como indefinida a permanência de Juscelino e falava em presunção de inocência, agora afirma que o auxiliar deve deixar o cargo caso seja denunciado pela Procuradoria-Geral da República.
Troca de cadeiras
Essa não seria a única mudança no time ministerial cogitada por Lula para tentar conter outras derrotas nos próximos meses. Interlocutores do presidente afirmam que uma troca de cadeiras no governo, para mexer em áreas que não estão correspondendo às expectativas, pode ocorrer logo após as eleições municipais ou mesmo no início do próximo ano. Tudo dependerá, segundo auxiliares, da direção dos ventos da política.
Uma das áreas contestadas é a articulação do Planalto com o Congresso. As derrotas sucessivas do governo no Senado e na Câmara, como a derrubada do veto às regras de saidinha de presos e a decisão que impediu a criminalização da disseminação de notícias falsas eleitorais, deixaram evidentes os problemas de interlocução de Lula com parlamentares.
Da lista de 48 pautas consideradas estratégicas pelo Planalto para 2024, 16 listadas como prioritárias, apenas seis tiveram aprovação até agora, como o Programa Mover, de incentivo à indústria automobilística, e a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até dois salários mínimos.
— Governo não é corrida de 100 metros, é maratona. O cidadão não vai aprovar o governo indistintamente sobre qualquer aspecto no primeiro ano e meio, afirma o ministro dos Transportes, Renan Filho. — Tem que chegar bem no final.
As convergências entre Executivo e Legislativo têm se limitado a temas econômicos. Após conseguir aprovar a Reforma Tributária no fim de 2023, em votação histórica, a prioridade do governo é a regulamentação do novo sistema de impostos do país. Os grupos de trabalho que discutem os projetos na Câmara devem entregar os relatórios finais na quarta-feira, quando os textos já poderão ir à votação.
Enquanto tenta avançar com a reforma, Lula é pressionado pelo mercado e por parlamentares para promover um ajuste nas contas públicas por meio de cortes de gastos, e não apenas aumentando a arrecadação, estratégia adotada até agora. Em abril, oito meses após aprovar o novo arcabouço fiscal, o governo precisou reduzir a meta fiscal de 2025, ando de um crescimento de 0,5% para zero.
O presidente, porém, descarta adotar medidas aventadas pela equipe econômica, como desvincular benefícios do salário-mínimo e rever aposentadorias de militares. Em vez disso, Lula pediu um pente-fino sobre cadastros irregulares de Bolsa Família e da Previdência Social, numa medida que as próprias pastas não têm clareza sobre o resultado.
Lula também coleciona dificuldades na saúde, área que concentra um dos maiores investimentos do governo e atrai interesse político às vésperas das eleições municipais. A alta nos casos de dengue, com recorde de mortes no ano, se tornou munição para a oposição. O aumento na transmissão da doença entre janeiro e abril expôs falhas na estratégia de contenção e levou o chefe do Executivo a ser apelidado de “presidengue” nas redes. Aliado a isso, parlamentares estão insatisfeitos com o fluxo de rees de recursos a seus estados.
Ajustes de comunicação
O Planalto reconheceu que a estratégia de enfrentamento foi mal executada, e a comunicação com o Congresso também tropeçou. A crise respingou na ministra da Saúde, Nísia Trindade, que virou alvo de pressão para deixar o cargo e ou a se articular diretamente com congressistas para continuar no governo.
Na educação, ao mesmo tempo em que emplacou um programa com marca própria como o Pé-de-Meia, uma poupança para alunos de baixa renda do Ensino Médio, o governo patinou nas negociações com professores de instituições federais de ensino, que iniciaram em abril uma greve que durou 69 dias e só foi encerrada no domingo ado. Auxiliares de Lula avaliam, inclusive, que a paralisação é mais um elemento que pode ter arranhado a imagem do presidente.
Com o intuito de reverter o cenário, Lula iniciou, na segunda quinzena de junho, uma série de entrevistas. Foram sete em um intervalo de dez dias. A maioria tem sido em conversas com rádios regionais durante viagens oficiais.
Por outro lado, aliados veem com preocupação falas tão frequentes do presidente, uma vez que trechos delas muitas vezes repercutem de forma negativa para o governo. Um dos riscos apontados é que Lula escorregue em temas sensíveis, como quando disse ao UOL ter dificuldade em achar mulheres e negros para quadros do governo.
Ministros ouvidos reservadamente apontam que o presidente também deve intensificar a comparação de sua gestão com a de Bolsonaro, sem citar o ex-presidente, e ampliar o seu discurso em direção ao centro, numa tentativa de isolar o rival na extrema-direita. A declaração de Lula a respeito do julgamento do Supremo Tribunal Federal que definiu 40 gramas de maconha para diferenciar usuário de traficante já foi vista como um movimento neste sentido, ele disse que a Corte “não precisa se meter em tudo”.
Auxiliares do presidente também esperam que as ações do governo federal após as enchentes no Rio Grande do Sul reflitam positivamente em sua popularidade em breve.
— As políticas levam tempo até serem maturadas e chegar nas pessoas. Isso agora começa acontecer de forma intensa, prevê o ministro Paulo Pimenta, que comanda a pasta da Reconstrução do RS.