Brasil recebe líderes do G20 em meio a divergências profundas entre potências

CADA UMA PARA UM LADO - Biden, Milei, Lula, Macron, Modi e Xi (da esq. para a dir.): a atual cúpula do G20 tem tudo para ser espelho de um mundo rachado pela polarização, com líderes desgastados e cercados de problemas

VEJA

O verão se aproxima, e com ele a previsão de raios e trovoadas. No Rio de Janeiro, essas condições meteorológicas, se confirmadas nos dias 18 e 19 de novembro, refletirão o clima tempestuoso reinante no encontro anual dos líderes das vinte maiores economias do mundo, o G20, que fará da cidade o epicentro do jogo de poder que movimenta as relações internacionais e pode definir os rumos da humanidade. Em um mesmo ambiente circularão os blocos pró-Rússia e pró-Ucrânia, na guerra entre os dois países que já dura quase três anos, que tiveram suas divergências aprofundadas pelo conflito aberto no Oriente Médio. Não faltarão também cabeças quentes com os próprios problemas, sobretudo na Europa, onde o crescimento emperrou, castigado pela inflação e pelo aumento dos custos de energia, fatores que vêm onerando a classe média e inflamando o populismo de direita.

Expressão máxima dessa vertente, o recém-eleito Donald Trump não estará no Rio, mas sua escalada ao Salão Oval embaralha as cartas geopolíticas e enfraquece o atual presidente, Joe Biden, além de pôr mais gás na guerra fria em que China e Estados Unidos disputam com unhas e dentes a hegemonia econômica e tecnológica. Com tantas e tão acentuadas divisões, será difícil conseguir que esta reunião do G20 extrapole as declarações pomposas e vagas de sempre, tudo à base de muito aperto de mão.

O encontro será no Rio porque o Brasil ocupa este ano a presidência rotativa do bloco, mas a presença do presidente Lula no centro da mesa de debates (lugar, por sinal, que evita o constrangimento de, a ser seguida a ordem alfabética, sentar-se ao lado do desafeto Javier Milei, da Argentina) assegurou uma pauta para questões que são caras a Brasília. A principal e mais avançada é a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, organismo destinado a captar recursos que reduzam essas duas manchas até 2030. “Trata-se de uma proposta perfeitamente alinhada com nossos compromissos internacionais com a segurança alimentar”, afirma Emmanuel Lenain, embaixador no Brasil da França, um dos países signatários. O mecanismo, que já tem adesão de sessenta países, será gerido pelo governo brasileiro e pela FAO, órgão da ONU para agricultura e alimentação.

Figura ainda na lista de discussões a ambicionada (por Lula) reforma de organismos internacionais, entre eles o Conselho de Segurança da ONU, onde o Brasil sonha com um assento permanente. O único ponto “brasileiro” que pode ser discutido mais a fundo são as mudanças climáticas, mas mesmo aí as divergências são vastas. “A agenda faz parte do projeto lulista de lançar o país como liderança global, mas o resultado deve ficar aquém do que o governo ambiciona”, diz Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da FGV. “Não há consenso em torno da reforma da ONU e de ações climáticas, pontos que provavelmente não irão para a frente”, afirma um funcionário do Itamaraty.

Nas duas recentes cúpulas do G20, na Índia e na Indonésia, líderes, ministros e diplomatas encararam uma maratona de reuniões para conseguir, na última hora, uma declaração conjunta, que precisa de aprovação unânime, em termos palatáveis, porém, pouco concretos. O cenário deve se repetir no Brasil, sob o risco de, mais uma vez, as discordâncias postas à mesa, agravadas com a guerra no Oriente Médio, ofuscarem outras áreas de discussão. “Os temas mais polêmicos ficam para o final. Na semana anterior, debatemos algo que possa ser aceito por todos”, explicou um profissional próximo às negociações. A maior preocupação é com o trecho (obrigatório, pela relevância) do texto final que fará justamente referência ao conflito entre Israel e Hamas, um reflexo da carga de ideologia que tomou conta do G20, entidade nascida com os olhos voltados para assuntos econômicos.

Ocupado em montar a equipe com que pretende chegar à Casa Branca, onde esteve na quarta-feira (13), para um encontro inédito com Biden em que falaram sobre uma transição sem percalços até a posse, em 20 de janeiro, Trump será como uma assombração nos corredores do G20, onde todos estarão tentando adivinhar e antecipar o futuro das políticas americanas. “Tudo fica em suspenso por causa dos Estados Unidos. Mesmo que assinem uma declaração agora, estamos falando de outro país a partir de janeiro”, diz uma fonte diplomática. A perspectiva de muxoxos no diálogo entre Trump e Lula tem pautado algumas iniciativas, como o encontro bilateral que o presidente brasileiro terá com o chinês Xi Jinping, sua simples presença é um gesto significativo, já que faltou à cúpula de Nova Delhi. Outras prováveis reuniões com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e com a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, mostram que a Europa também se desenha como rota alternativa a Washington para o governo brasileiro.