52 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Para encerrar essa série fale-nos sobre Zezé Lulu.

Papa – José Gomes do Amaral – Zezé Lulu, nasceu no dia 04.12.1916 no Sítio Serrinha – São José do Egito (PE), integrante da geração dos cantadores raiz, isto é, poetas que faziam da profissão um sacerdócio e que em suas estrofes a sensibilidade saltava aos olhos. Tive a felicidade de ouvir esse poeta, tenho por ele uma iração extrema.

As três primeiras estrofes abaixo transcritas foram extraídas do livro “São José do Egito – Musa do Pajeú”, de Terezinha Costa e as demais do livro “Roteiro de velhos cantadores e poetas populares do Sertão”, de Luís Wilson. Desejamos um Feliz Ano Novo a todos os nossos leitores.

Eu iro a aranha

Pela casa que constrói

Cavar no chão um buraco

Pra que aquele lhe apoie

Botar-lhe mais um tampa

Que nem a chuva destrói.

***

Em cima do pé uva

O canário e vem-vem

E a rolinha saudosa

Pousa pra cantar também

E o concriz canta olhando

As cores que a pena tem.

***

A minha casa é roseira

Com as folhas orvalhadas

Oito rosas perfumadas

Perfumando a vida inteira

Por mim e minha caseira

A roseira é protegida

A quinta e nossa guarida

Nós somos os zeladores

OS MEUS FILHOS SÃO AS FLORES

DO JARDIM DA MINHA VIDA.

***

O que mais me desanima

É fazer comparação

Do boi que recebe a canga

Para primeira instrução.

Se corre apanha na venta

Se para leva ferrão.

***

Quando eu soube da notícia

Que morreu tua filhinha

ei o dia na feira

Mas alegria não tinha

Com muita pena da tua

Com mais cuidado da minha.

***

Já está chegando a hora

Da minha linda “galega”

Sair lá pelo terreiro

Dando ração a borrega

E perguntando: “Mamãe

quando é que papai chega”.

51 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre o poeta e compositor Zé Marcolino o que temos?

Papa – José Marcolino Alves nasceu em 28.06.1930 no Sítio Várzea, município de Sumé (PB). Somente pelas letras de “Sala de Reboco”, “Pássaro Carão”, “Serrote Agudo”, “Pedra de Amolar”, “Estrada”… Zé Marcolino figuraria em toda e qualquer lista dos grandes poetas. Contudo extraímos as sextilhas e as décimas – recortes do poema “Eu e o Carão”-, do livro “Zé Marcolino – Conversas sem Protocolo”, organizado pelo poeta Marcos os. Com eles o grande compositor transita no mundo do improviso com desenvoltura, comprovem. Cabe o registro sobre uma frase que ouvi muitas vezes: “Zé Marcolino é o paraibano mais pernambucano que existe.” Muita verdade neste enunciado.

No inverno do Sertão

Vê-se um touro furioso

Jogando terra no lombo

Como que esteja raivoso

Mostrando a vitalidade

Que tem o capim mimoso.

***

Sabido é o fura-barreira

Que mede o chão pra cavar

Cava um buraco bem fundo

Mas quando vai se aninhar

Entra na casa de costas

Pra ficar bom de voar.

***

Daqui eu mando lembrança

Mais segura e mais direta

Pra minha choupana humilde

Onde reside um poeta

Sete filhos, uma esposa

Felicidade completa.

***

Deitei-me uma ocasião

Devido à pouca saúde

Acordei por, no açude

Cantar penoso, um carão.

Entoava um canção

Ou por outra, mesmo um hino

Imitava um violino

Acordei, não dormi mais…

Quantas notas musicais

Num crânio tão pequenino.

***

…Comecei a meditar

Em minha imaginação

Penso que aquele carão

Cantou pra me consolar.

Senti que o seu cantar

Acalmou as minhas dores

Ele, pelos seus amores

Eu, pela questão nervosa

Naquela noite inditosa

Éramos dois sofredores…

***

Quero aproveitar o momento para desejar a todos os leitores e iradores das nossas crônicas semanais e também do Blog PE Notícias, um Feliz Natal, que seja cheio de alegria e muita paz.

50 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre o poeta potiguar Zé Luiz fale-nos.

Papa – José Luís Carlos Lima nasceu em Santo Antônio (RN), em 01.03.1966, é um dos maiores talentos que vi no mundo da cantoria. Os deuses do repente, por motivos que só eles sabem, não permitiram que o poeta tivesse uma longa carreira neste universo. No entanto, deram total apoio para que Zé Luís continuasse escrevendo poesias brilhantemente. São impecáveis suas criações os temas que aborda provocam reflexões profundas. É estrela que tem brilho intenso. Um livro de sua autoria seria um grande presente para os amantes da poesia, dizem que está no prelo.

As estofes abaixo foram extraídas dos arquivos do poeta Jatobá, um amigo aposentado do Banco do Brasil que reside em João Pessoa, vejam a potência.

Que haja pão, lar, repouso e horas calmas

Para aqueles com sede de justiça…

E que os homens não vendam suas almas

Pelas trinta moedas da cobiça…

***

…Que se dê liberdade aos cativos

Já que as leis dos racistas não permitem

E que os Lázaros que a droga matou, vivos…

Ouçam Cristo chamando e RESSUSCITEM!!!

***

Que entendamos que a Bíblia, o maior Livro,

É um mundo pra gente meditar;

Um diálogo com deus pra quem abrir…

Um abismo infernal pra quem fechar…

E os portões divinais escancarados

pra quem ler, crer, sentir e praticar…

***

Pandemia, conflito, ódio, complôs,

A retrospectiva é dura, é ruim:

E o que vem com Dois mil e vinte e dois

Pro Estado, o Brasil, o Mundo, enfim?

Ninguém pode prever, eu não prevejo,

Porém oro a Jesus, peço e desejo

Que o ano que nasce seja assim.

***

Que, em lugar de festivos manifestos

Esqueçamos de ouro, prata e cromos;

Que a nossa intenção se torne gestos

Nas ideias louváveis que propomos…

Que a Coroa de Cristo nos adorne

E que a voz do Senhor brade e nos torne

Cem mil vezes melhores do que somos!!

***

Deus não tem espaço esparso

Tudo muda em suas mãos

Igual a Saulo de Tarso

Perseguidor dos cristãos

Quem foi dos cristãos carrasco

Nas estradas de Damasco

Da visão perdeu a luz

Dali nasceria Paulo

Foi preciso cegar Saulo

Pra Paulo enxergar Jesus!!!

49 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o poeta e pai de poetas Zé Filó.

Papa – José Filomeno de Vasconcelos nasceu na cidade de Surubim (PE), em 04.01.1896, foi morador nas regiões do Pajeú e do Cariri paraibano, nesta segunda região encontrou a esposa Tereza Bernardo de Menezes. Não conheço um casal que tenha tantos descendentes poetas e poetisas igual Zé Filó e Mãe Tetê. No topo da lista estão os filhos Zeca, Manoel e Gregório, os outros filhos, filhas, netas e netos seguem produzindo poesia de alto nível. Tenho por essa família uma gratidão eterna. Nos primeiros meses de minha vida foi adotado como filho, considero-me como um Filó por adoção.

As estrofes abaixo transcritas foram retirada do livro “As Curvas do meu Caminho”, uma publicação que destaca obras de Manoel Filomeno de Menezes – Manoel Filó – O cantador sem viola.

No dia que eu for embora

Não volto mais pra ninguém

Sofrer demais é veneno

Viver demais é também.

***

Quem se vai sente saudade

Quem fica sente também

Que se vai saudade leva

Quem fica saudade tem…

***

Estou aqui como quem

Está num lugar deserto

Momentos pensando errado

Minutos pensando certo

Perto de quem estava longe

E longe de quem estava perto.

***

Estou vendo em minha casa

E na casa do vizinho

Mocinhas de vestidinho

Pulando e mando brasa

Formiga criando asa

Nos dá logo a entender

Que quer desobedecer

Às ordens do formigão

Na zoada do trovão

Voar para se perder.

***

Findando o claro do dia

Entra a noite pardacenta

A grande tristeza aumenta

Depois da Ave Maria

O mocho tristonho pia

A natureza estremece

A luz do dia esmorece

Faz a triste despedida

Nesta hora entristecida

O DIA DESAPARECE.

48 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre uma das lendas da cantoria, o poeta Zé de Cazuza.

Papa – José Nunes Filho nasceu em 13.12.1929 na Fazenda Boa Vista, em Monteiro (PB). Na apresentação do seu maravilho livro “Poetas Encantadores”, nosso eterno José Rabelo de Vasconcelos escreveu: “Mentalmente é uma pessoa superdotada. Sua inteligência, sua vontade e sua sensibilidade estão acima da média. Tem plena consciência disto. É nobre e digno. Sabe, sem arrogância, de seu valor e da sua importância na cultura de seu povo e de sua região”. Acrescento que é muito pouco o rótulo de “gravador humano” dado a Zé de Cazuza, em função da sua capacidade em armazenar um estoque infindo de versos e de histórias dos bastidores do mundo da cantoria. É, sem dever favor a ninguém, um poeta fantástico, um anfitrião de mão aberta e mesa com copos e pratos cheios.

Abaixo apresento uma quadra, feita após seu filho Felizardo receber alta de uma internação hospitalar que quase o levou a óbito. Foi recitada a mim pelo amigo e irmão Danizete Siqueira, as demais estrofes extrai do livro acima mencionado.

Deus que aos astros dá brilho

Fez vista grossa aos meus erros

Para não ver três enterros:

Da mãe, do pai e do filho.

***

Meu pai também é poeta

Meu avô foi outro bardo.

Dos sete filhos que tenho

Eu enxergo Felizardo

Um celeiro novo enchendo

Dessas relíquias que guardo.

***

Eu não vim mostrar ciência

Vim mostrar o meu valor

Vim aqui como poeta

E não como professor

Pois se eu fosse cientista

Não seria cantador.

***

O poeta não ver nada

Pelo lado da malícia.

Ama às vezes uma pessoa

Que não quer dele notícia

Alimentando na alma

Uma intenção fictícia.

***

A vida do homem louco

Eu acho muito incomum

a noite sem dormir

a dias em jejum

Viaja pra todo canto

Não vai a canto nenhum.

***

O pobre do retirante

Viaja sem rumo certo

Quando já vai fatigado

Acha um juazeiro perto

Parecendo um guarda chuva

Que Deus armou no deserto.

47 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Vamos falar hoje sobre o pajeuzeiro Zé Catota.

Papa – José Lopes Neto, Zé Catota, nasceu no sítio Riachão, de São José do Egito, em agosto de 1917. Dotado de uma simplicidade extrema e com a viola no peito um poeta “mal-assombrado” como diria o extraordinário Zeto. No final dos anos 1960, para comemorar uma reforma na casa onde nasci no Sítio Quixaba de Jabitacá – Iguaracy/PE, meu pai promoveu uma cantoria de Pinto do Monteiro, Lourival Batista e Zé Catota, foi meu primeiro contato com o mundo da viola presencialmente. Uma das maiores qualidades de Zé Catota era com uma rapidez invejável pegar na “deixa” do oponente e criar uma estrofe capaz de assustar que havia feito um belo improviso. Merece muito mais do que recebe, em termos de reconhecimento.

As estrofes abaixo, extraídas do livro “São José do Egito – Musa do Pajeú”, de Terezinha Costa, atestam o que acima foi falado sobre esse poeta genial.

Venho andando firmemente

Em qualquer noite de escuto

Mas escuto uma voz rouca

Sempre que contorno um muro

É a boca do presente

Chamando pelo futuro.

***

A pessoa que quer bem

Não pode gozar prazer

a noites sem dormir

a dias sem comer

Porque a mágoa que sente

Não se permite dizer.

***

Eu iro demais

O trabalho duma aranha

No seu tear inocente

Tanta beleza acompanha

Um lençol da cor de neve

No coração da montanha.

***

Estão vendo aquela velinha

Toda envolvida num manto

Com os olhos rasos ´d’água

Tomando banho em seu pronto

Cantava quando eu chorava

Hoje chora quando eu canto.

***

Hoje eu ei na Serrinha

Vocês sabem que é verdade

Fiquei com tanta saudade

Que pra’qui quase não vinha

Bem na porta ainda tinha

O sinal de um trovador

Vi escrito numa flor

Que rolava no caminho

HONRA AO BERÇO DE MARINHO

A GLÓRIA DE UM CANTADOR.

46 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Vamos falar hoje sobre o norte rio-grandense Zé Cardoso.

Papa – José Cardoso da Silva, nasceu na cidade de Encanto (RN) no dia 19.03.1951, o dia de São José. Premiado como cantador em festivais, nas cantoria pé de parede e nos programas de rádio em Limoeiro do Norte (CE). Tem uma capacidade incrível de desmontar a produção do oponente com intervenções perfeitas, muitas delas com alto senso de humor, com intuito de desestabilizar o parceiro.

A primeira das estrofes abaixo retiramos do livro “Poetas Encantadores” de Zé de Cazuza e as demais do livro “De Repente Cantoria” de Geraldo Amâncio e Vanderley Pereira.

Aprendi a cantar sem professor

Pela graça Divina eu sou completo

Você vem me chamar de analfabeto

Exibindo diploma de Doutor.

No congresso que eu for competidor

Você perde pra mim de dez a zero

Meu colega eu vou ser muito sincero

Se eu deixar de cantar não sou feliz

Ser poeta eu só sou porque Deus quis

E Doutor eu não sou por não quero.

***

De uma forma positiva

Pra mim o que se revela

É ver minha mãe velhinha

Já coma boca banguela

E eu ter a felicidade

De dormir nos braços dela.

***

Na região nordestina

A coisa também mudou

Só não se muda a política

Que do político se herdou

De dar “banana” e “cotoco”

Para quem nele votou.

***

Pedia falando o nome

Deus, sei que Você não erra

Veja os homens, mande a paz

Sepulte a arma e a guerra

E mande um anjo vestido

De paz visitar a terra.

***

No Sertão construí o meu ranchinho

A cadeira que tenho é um lajedo

Durmo cedo, também acordo cedo

Pra poder escutar o arinho

No Sertão eu conheço meu vizinho

Que reside encostado em meu quintal

Na cidade é sujeito a ser um marginal

Me matar só por causa de um vintém

EU SÓ AMO O SERTÃO PORQUE NÃO TEM

CERTAS COISAS QUE TEM NA CAPITAL.  

45 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre outro talento do Pajeú, o poeta Zé Adalberto.

Papa – José Adalberto Ferreira, nasceu no sítio Juá, município de Itapetim (PE), em 25.06.1962. É um dos maiores poetas nascidos no Pajeú. Qualquer lista de poetas de bancada feita em nossa região terá o nome de Zé Adalberto. Carrega além do talento a simplicidade e humildade. Prova da sua humildade é dedicatória do livro “No Caroço do Juá” feita para este cronista: “Caro Ademar Rafael/Me desculpe se não há/Verso doce feito mel/No Caroço do Juá”. O conteúdo do livro é abundante em mel, mais doce é impossível.

As estrofes abaixo foram retiradas dos seus livros “No Caroço do Juá”, os dois primeiros e “Cenário de Roedeira” os dois últimos.

Quando um preso recebe um alvará

Assinado por quem aplica o código

Ele volta, parece o Filho Pródigo

Implorando perdão, seu pai lhe dá.

Entre o pai e o filho, agora, há

Um contrato afetivo, em vez de grade

E uma lágrima num gesto de humildade

Se ajoelha, entre os lábio faz o piso.

UMA GOTA DE PRANTO MOLHA O RISO

QUANDO UM PRESO RECEBE A LIBERDADE.

Meu salário, com pouca coisa, arca

Já há quase uma década congelado

E a grande avalanche do mercado

Soterrou meu dever de patriarca

Eu não ligo pra moda nem pra marca

Mas um livro eu procuro oferecer

Nem que o dono depois de me vender

Vença o prazo e me faça uma cobrança

O ESTUDO SERÁ A ÚNICA HERANÇA

QUE MEUS FILHOS TERÃO, QUANDO EU MORRER.

Quando um dia a ciência descobrir

Solução que iniba o meu desejo

De viver dependente do seu beijo

Como eu sou do seu corpo pra dormir

Vou pensar numa forma de existir

Sem a fórmula da química que tem nela

Mas enquanto a razão torcer por ela

É perdido eu lutar contra a vontade

QUANDO HOUVER CÉLULAS-TRONCO DE SAUDADE

POSSA SER QUE E A FALTA DELA.

Tua pele é fragrância inspiradora

Que perfuma meu todo até o rastro

Como o Nardo do Vaso de Alabastro

Que Jesus recebeu da pecadora

Tua boca de rosa sedutora

Virou tema da minha poesia

Se tivesse veneno eu beijaria

Pra morrer com alma perfumada

SE TU “FOSSE” UMA ROSA ENVENENADA

EU BEIJAVA SABENDO QUE MORRIA.

44 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o jovem poeta Vinícius Gregório.

Papa – Vinícius Gregório Nogueira Gomes nasceu em São José do Egito no dia 06.05.1987, começou escrever poesias aos quatorze anos e em 2006 surgiu com destaque como declamador na Festa Universitária em sua terra. Julgo importante fazer o seguinte registro: Em 2021 estávamos em um evento alusivo ao centenário do poeta Quincas Rafael, em Jabitacá, e um jovem aluno de uma escola do município de Iguaracy antes de fazer sua declamação destacou: – “Vou recitar um soneto de um poeta jovem que gosto muito”, e recitou brilhantemente um soneto de autoria de Vinícius Gregório. O poeta hoje destacado é detentor de um talento extraordinário e uma figura humana carismática e com foco na cultura raiz, nos direitos humanos e na justiça social.

As estrofes abaixo foram extraídas do seu livro “Hereditariedade”, publicado em 2008, justifica esta pequena amostra o reconhecimento que o poeta recebe dos amantes da poesia.

Vou embora pra São Zé,

Pois lá sou amigo do rei.

Vou aproveitar a vida

Como nunca aproveitei

Vou matar essa saudade

Do canto que me criei.

***

Vai ter santo “Antoim Marim”

Santo Lourival Batista,

Santo Pinto do Monteiro,

Santo Dimas repentista.

Minha igreja é desse jeito

Quando eu fizer vai “tá” feito

E só vai ter santo artista.

***

Quantas vezes eu vou ter que dizer

Que criança de rua é gente sim?!

Quando é, meu Jesus, que vai ter fim

O descaso que traz tanto sofrer?

Inocentes nasceram sem saber

O que o mundo guardava de maldade…

Se espalharam no meio da cidade,

São chamados de burros e bandidos,

São por todos jogados, esquecidos…

E nem saber o motivo na verdade.

***

Sou mais um maltrapilho desgraçado

Aumentando a fileira da pobreza.

Meu viver não possui a sutileza

Do viver de um menino bem criado.

Sou apenas um rato camuflado,

Sou alguém sem futuro e sem destino

Sou cigano da vida peregrino

Das estradas que a fome produziu

Sou produto fiel “Made in Brazil”

Disfarçado no corpo de um menino.

43 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)  

Ade Maleu Lapa-el – Sobre o poeta Valdir Teles fale-nos.  

Papa – Valdir Rodrigues Teles nasceu em 18.07.1955 em Livramento (PB). Nasceu com o dom da poesia e abraçou a profissão com afinco. Com persistência venceu as barreiras naturais que impedem o surgimento de novos valores. Paraibano de nascimento e morador da região do Pajeú, deixou o Sertão pernambucano e foi para as barrancas do rio Jaguaribe, no Ceará. Ao retornar conduzia uma das mais concorridas agendas do universo da cantoria de viola. Com dicção perfeita, velocidade impressionante na construção de estrofes memoráveis e humildade encantou nos diversos palcos onde esteve. Cabe registrar seu destaque como secretário de Cultura de Tuparetama, deu vez e voz aos produtores da cultura raiz.  

A primeira estrofe abaixo foi escrita pelo poeta no livro “Um novo Mar de Poesias” de autoria da sua filha, a poetisa Mariana Teles, as seguintes formas extraídas do livro “Relíquias da Cantoria”, coletânea do pesquisador Jomaci Dantas.  

Como é bom ter nossos sonhos  

Realizados por Deus.  

Nem precisava meu nome  

Na sobra dos versos seus  

Mas o menor dos seus versos  

Supera o maior dos meus.  

*** 

Meu pai chegava da feira  

Com a mochila na mão.  

Mamãe abria a mochila  

Me dava a banda de um pão  

Que se desse o pão inteiro  

Faltava pro meu irmão.  

*** 

Ismael eu tenho dó  

Desse sofrimento seu  

Só não lhe dou uma perna  

Das duas que Deus me deu  

Porque com uma perna só  

Não anda você nem eu.  

*** 

Não critico do ceguinho  

Que vive a perambular.  

Eu posso perder a vista  

E a dele recuperar  

Eu ir para o lugar dele  

E ele vir pro meu lugar.  

*** 

Você fez um papel de mulher ruim  

Me deixou triste, ébrio, solitário  

Coloquei nossa história no diário  

Pra poder me lembrar até o fim.  

Quando eu esperava ouvir um sim  

Sua boca covarde disse não,  

Deu pra outro a banda do colchão  

E era o lado da cama que eu dormia  

OS GARRANCHOS DA SUA COVARDIA  

ARRANHARAM DEMAIS MEU CORAÇÃO.  

42 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o norte rio-grandense Severino Ferreira.

Papa – Severino Ferreira da Silva, nasceu no distrito de Cajueiro, município de Touros (RN), em 30.03.1951. Cantador sublime, figura humana extraordinária e sensibilidade destacável. A deficiência visual não foi impedimento para se destacar nas cantorias convencionais e nos diversos festivais que participou. Da sua extensa obra retiramos as duas primeiras estrofes do livro “De Repente Cantoria” de Geraldo Amâncio e Vanderley Pereira e as três últimas do livro “Uma viagem ao reino encantado da cultura popular nordestina”, de Irani Medeiros.

Elogiei a medida

Por minha mãe praticada

Viu-se impossibilitada

De me dar roupa e comida.

Me deixou nascer com vida

Padeceu na gravidez

Outra mãe nobre e cortês

Com gosto me recebeu

Me dando o que ele não deu

Fazendo o que ela não fez.

***

Quando nasci era vivo

O pai que me fez gerado

Fui por ele abandonado

E não sei qual o motivo

Porém um pai adotivo

Com prazer me recebeu

Por mim trabalhou, sofreu

Me dando amor e respeito

Me oferecendo um direito

Que o pai legítimo não deu.

***

Em Cajueiro nasci

Em Boqueirão fui criado

Junto ao meu pai no roçado

Trabalhei muito e sofri

Estudar não aprendi

Por ser distante a escola

Nunca fui chegado à bola,

Pião, bodoque e carrinho…

Já via em frente o caminho

Da profissão de viola.

***

A vida que não me deu

Um curso superior

Me deu o dom de poeta

Destino de cantador

Por isso caço e não vejo

Quem foi o meu professor.

***

Aprendi com meu ado

E dessa visão sou fã

Que nada vale ser rico

Nem gigante nem titã

Dono de orgulho hoje

Será defunto amanhã.

41 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o pernambucano Severino Feitosa.

Papa – Severino Nunes Feitosa nasceu no sítio Macacos, em Santa Terezinha (PE), em 25.03.1948, poeta com atuação destacada em grandes festivais de cantoria e nos embates de pé de parede. Tem um estilo particular de cantar, numa velocidade que meu pai, Quincas Rafael, classificava como “pisada de boi de carro”, para os cariocas “no sapatinho”. É autor da canção “Voltando à minha terra”, grande sucesso. Gosto demais, nela vejo com clareza o sentimento do sertanejo que vive fora do seu sagrado torrão. Outra qualidade que destaco neste poeta é a forma respeitosa que ele trata os apologistas da sua arte. Nas diversas cidades onde residiu teve destaque também como promovente de cantorias, festivais e radialista titular de programas de sucesso. Atualmente apresenta o “Desperta Campina”, na Rádio Campina FM, na rainha da Borborema onde reside.

As duas primeiras estrofes foram extraídas da canção acima citada, transcrevemos também a famoso refrão. As estrofes seguintes retiramos do livro “De Repente Cantoria” de Geraldo Amâncio e Vanderley Pereira.

Eu fui um pássaro que viveu feliz

Cantando livre nesses matagais

Bebendo água nas cacimbas claras

Depois voando para os mangueiras

Eu fui menino que andou descalço

Pulando corda e jogando pião

Cortando lenha pra fazer o fogo

Batendo enxada pra cavar o chão.

***

Deus me conceda que eu volte um dia

à terra amada do meu nascimento

onde eu juntei dor e alegria

misturei tudo no meu pensamento

fui obrigado pelo meu destino

tentar um meio de sobreviver

mas nessa terra onde eu fui menino

queria ainda morar e viver.

O que não posso tirar

nunca da minha lembrança

é o pedaço de terra

que vivi quando criança.

***

No tempo que foi menino

Brincando na minha terra

Não sabia que as armas

Eram feitas para guerra

Pra mim o mundo acabava

Do outro lado da serra.

***

Pela voz do coração

Ninguém segue partitura

O amor é descendente

Da família da ternura

E a solidão é doença

Que comprimido não cura.

40 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o poeta Sebastião da Silva

Papa – Sebastião José da Silva, paraibano da cidade de Pilõezinhos, nasceu no dia 06.01.1945, mesma data e mês do nascimento do consagrado Louro do Pajeú. Com talento de sobra e uma dicção impecável é um dos recordistas no tocante as premiações em festivais. Com Moacir Laurentino formou uma das mais brilhantes duplas do mundo da cantoria. É autor de belíssimas canções, destaque para “Criança Morta” um ícone no universo da poesia nordestina. Por onde ou deixou legado com os programas radiofônicos de grande sucesso e com os festivais promovidos.

Extraímos as estrofes abaixo do livro “De Repente Cantoria” de Geraldo Amâncio e Vanderley Pereira, neles o poeta do brejo paraibano demonstra sua versatilidade.

Naquela humilde guarida

Eu vivi toda esperança,

Sinto saudade do prato

E da rede que se balança.

O chão inda guarda os rastros

Que eu fiz quando criança.

***

Uns risos como esses seus

São risos que não preciso.

Os lábios rindo por fora

E o coração indeciso.

Guardando a fúria de um lobo

Por trás de um falso sorriso.

***

O meu vero vem da cata

Que a mãe coloca no seio

Que recebeu assustada

De um homem do Correio

Contando todas notícias

Por que seu filho não veio.

***

O dever da santidade

Interviu junto a Jesus

Pra Dom Edmilson Cruz

Alcançar a liberdade

Foi preciso autoridade

Decisão, benemerência,

Oração e paciência

Até dos policiais

FOI PRECISO MUITA PAZ

PRA VENCER A VIOLÊNCIA.

Se ele for pra cidade

Não leva uma vida bela

A vida numa favela

E grande infelicidade

Se ele arranja uma amizade

E parte pro casamento

Quando nascer um rebento

Já é marginalizado

O PÃO DO POBRE É MOLHADO

COM LÁGRIMAS DE SOFRIMENTO.  

38 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre o paraibano Rogério Meneses, fale-nos.

Papa – Rogério Meneses Sobrinho nasceu em Imaculada (PB), no dia 25.06.1962, entrou na arte do repente aos vinte e um anos de idade. É pós-graduado em Gestão Pública se destacou como digno e confiável no cargo eletivo de presidente da Câmara de Vereadores de Caruaru e em cargos de confiança no Ibama e Ciretran. No exercício da profissão residiu em várias cidades até firmar residência em Caruaru. Na Rádio Ipojuca FM, ao lado do poeta João Lídio apresenta o consagrado programa “Violas ao entardecer”, promovente de festivais e outros eventos culturais no Nordeste, mantém projeto de cantoria mensal na “Peixada do Dadal”, na capital do Agreste pernambucano. Tem compromisso com a justiça social e com os direitos humanos.

A primeira estrofe abaixo transcrita foi retirada do blog do poeta Luiz Berto e as demais foram extraídas do livro “De Repente Cantoria”, de Geraldo Amâncio e Vanderley Pereira, representam partículas minúsculas da sua grande obra.

Quem hoje está inseguro

Amanhã pode estar bem.

Após uma tempestade

A bonança sempre vem.

Como as coisas boas am

As ruins am também.

***

O retrato do Brasil

Eu vejo em qualquer lugar:

Na destruição das matas,

Na poluição do mar,

Nos camponeses sem terra,

Nos favelados sem lar…

***

A luta socialista

Vem crescendo a cada mês:

Movimento operário,

Boia-fria, camponês…

E entrando como cupim

No edifício burguês.

***

Esse pessoal carente

Que o destino é seu chofer.

Que não tem leite pro filho,

Nem tem pão para mulher.

Quem tem a máquina na mão

Pode salvar se quiser.

***

Brevemente tudo encerra

Na terra e nos campo limpos

Que o veneno dos garimpos

Está poluindo a serra

E sem vegetais na terra

Não teremos vida mais

As plantas ficam sem gás

E o homem sem energia

PRESERVE A ECOLOGIA

DEIXE A NATUREZA EM PAZ.  

37 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Rogaciano Leite, conte-nos sobre esse poeta e jornalista.

Papa – Rogaciano Bezerra Leite nasceu no Sítio Cacimba Nova, em Itapetim (PE), no dia 01.07.1920, sem dúvida um dos grandes poetas do Brasil. Galgou fama também como jornalista e advogado. A pandemia impediu que sua terra natal fizesse a festa do seu centenário, contudo, dentro do possível foram feitas as merecidas homenagens, inclusive com publicação de um livro e edição especial, com lapidação exclusiva para o momento. Entre seus poemas mais famosos destaco “Eulália”, “Ceará Selvagem” e “Trabalhadores”, é impossível auferir o tamanho da sua obra. Transcrevemos abaixo duas décimas do poema “Pirambu” e um dos seus encantadores sonetos “Inversão do Racismo”, retirados do livro “Carne e Alma”, obra prima da literatura brasileira.

Submundo de almas aflitas

Que estrebucham pra viver,

E vivem quase morrendo

Mas lutam pra não morrer;

Mundo infecto de palhoças

Sem privadas e sem fossas,

Sem jardim e sem quintal;

Sem um canto onde se pise

Sem que o sapato deslize

Nas fezes, no lamaçal.

***

Mundo que repugna aos olhos

Que faz mal ao coração;

Onde as crianças não têm leite

E os adultos não têm pão;

Mundo de miséria extrema,

Cujo difícil problema

O poder não encampou;

Deus não faz ponto final,

Mas chegou neste arraial,

Viu a tragédia e parou.

***

“O amor não racista…” – Ela dizia,

Quando em beijos ardentes me abrasava…

Ao seu peito, nervosa, apertava

Ao seu peito, nervoso, eu lhe prendia.

***

Era noite na praia, ninguém via

Aquele par que se beijando estava

Nos braços do cristão – ela sonhava!

E eu sonhava – nos braços da judia!

***

No templo azul daquela noite calma

Eu lhe deu uma Pátria, na minh’alma

Eu deu-me, em su’alma, a Canaã…

***

Desde então o racismo se inverteu

Vivo pensando que fiquei judeu

E ela jurando que ficou cristã!