36 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre Raimundo Nonato, da dupla os Nonatos.

Papa – Raimundo Nonato Neto, nasceu em Cachoeira dos Índios (PB), em 11.08.1970. Em parceria com Raimundo Nonato da Costa criou a dupla “Os Nonatos”, galgaram sucesso em todo Brasil, fizeram fama no mundo da música e foram apresentadores do programa “Cantos & Contos” em TV de João Pessoa. Com a extinção da dupla, com o nome Nonato Neto, voltou a cantar de improviso e continuou com sua banda. Merece a fama que tem. As estrofes abaixo constam no livro “De repente a Cantoria”, de Geraldo Amâncio e Vanderley Pereira.

A natureza nos trouxe

E entregou ao Ceará

Como sendo o sabiá

Que lá do céu transportou-se

O seu poema é mais doce

Que o bago da melancia

Sua alma tem um guia

Como Deus de Nazaré

PATATIVA DO ASSARÉ

GÊNIO IMORTAL DA POESIA

Ele aborda qualquer tema

Que o povo queira falar

Já fez poemas do mar

E da história de Iracema

Patativa tem poema

Do filho que não se cria

Do cego que não tem guia

Da mulher do cabaré

PATATIVA DO ASSARÉ

GÊNIO IMORTAL DA POESIA

O presente eu coloco numa área

Pelas vezes inúmeras que sorri

E relembrar o ado que perdi

Para mim é tarefa solitária

Dessa nova e moderna secretária

Eletrônica que grava meu recado

E que é melhor da gosta de tarado

Da rouba na casa, engana e mente

EU NÃO TROCO UM MINUTO DE PRESENTE

POR CINQUENTA OU CEM ANOS DE ADO.

Acho bom que eu me emocione

Que o ado pra mim foi muito tétrico

No presente já tem o trio elétrico

O no ado não tinha o microfone

Hoje em dia já tem o telefone

Pra falar de Estado para Estado

No ado se usava era o recado

Quem quisesse falar com nossa gente

EU NÃO TROCO UM MINUTO DE PRESENTE

POR CINQUENTA OU CEM ANOS DE ADO.

35 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre o poeta Raimundo Borges fale-nos da sua obra.

Papa – Raimundo Borges de Almeida nasceu na primeira metade da década de 1940 em Flores, Estado de Pernambuco. Desde os anos 1960 é um propagador do mundo da cantoria por meio de programas radiofônicos de grande sucesso. Na Rádio Pajeú de Afogados da Ingazeira com o “Quando as violas se encontram” ganhou destaque regional, mesmo sucesso obtido em Cajazeiras, na Paraíba, onde é promovente de festivais e divulgador da profissão que abraçou. Goza de alto conceito, principalmente dos muitos poetas que deu apoio. Seu programa de rádio em Cajazeiras, “Violas do meu Brasil” é um espaço onde a cultura raiz é defendia e tem presença firme.

As estrofes a seguir foram recitadas pelo autor através de ação conjunta deste cronista e do poeta Jatobá, colega aposentado do Banco do Brasil que reside em João Pessoa (PB). Nelas podemos enxergar com clareza sua capacidade de refletir sobre a arte do cantador e temas legados à natureza.

Eu iro a aranha

Inseto pequeno e feio

Faz uma casa sem telha

Sem caibro, ripa e esteio

E depois da casa pronta

Se suicida no meio.

***

Se eu aqui não viesse

Seria mais um covarde

A minha cabeça dói

A minha garganta arde

Mas vou cozinhar repente

No vulcão do sol da tarde.

***

Nós que somos repentistas

Sentimos dificuldades

De chegarmos nas cidades

Com aparências de artistas

Repórteres, jornais, revistas

Não divulgam nos feitos

Bom pouco somos aceitos

Em festas elitizadas

ONDE AS PESSOAS FORMADAS

ESCONDEM NOSSOS DIREITOS.

Parece que a poesia

Não conscientiza os sábios

Nem é mais a flor dos lábios

Que o romantismo aprecia

Ela está sendo hoje em dia

Desviada da beleza

O egoísmo a riqueza

Buscam sempre interrompê-la

OPAQUECENDO A ESTRELA

DE INFINITA GRANDEZA.

34 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o poeta das Varas, seu pai Quincas Rafael.

Papa – Joaquim Rafael de Freitas, o Quincas Rafael, nasceu em Afogados da Ingazeira em 02.03.1921. Autodidata e contador de histórias e “estórias” minha grande de fonte de inspiração como cidadão e incentivador extremo. Escreveu os livros “Afogados deu de tudo”, somente com poesias e “Jabitacá segundo Quincas”, com relatos sobre personagens do Pajeú, destaque para o cangaceiro Adolfo Rosa Meia Noite e poesias. Nas estrofes abaixo um pouco da produção do “Poeta das Varas”, a primeira de arquivos do Instituto Cultural Quincas Rafael (ICQR), e as demais da sua obra escrita no segundo livro. A paixão que tenho em relação à leitura e a capacidade de escrever são heranças recebidas de grande libertário do Sítio Quixaba.

Brasil da disparidade

Aonde a criança morre

Onde o poder não socorre

Do pobre a necessidade

Quanto maior a cidade

Maior a falta de pão

Não haverá produção

Enquanto Delfim der fim

Se não der fim a Delfim

Delfim dá fim a nação.

***

Por eu ser tão cabeçudo

Levei a vida a sofrer

E para sobreviver

Na vida já fiz de tudo

Devido meu pouco estudo

Quase nada fui na vida

Sou estrela opaquecida

Numa noite de escuro

Talvez que Deus no futuro

Diminua minha lida…

***

…Eu fui um desmiolado

Nunca tomei um conselho

Hoje sirvo de espelho

Pra quem é desmantelado

Olho a reta do ado

E vejo que esmaguei

Tanta coisa que gastei

Sem haver necessidade

Até minha mocidade

Sem precisão estraguei.

***

Aquele que muito andou

Está perto de chegar

O fim desta grande reta

Vejo um pano tremular

Já vou descendo a ladeira

Por certo é a bandeira

Mostrando onde vou parar.

33 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre a cascavel do repente Pinto do Monteiro.

Papa – Os adjetivos utilizados para qualificar Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto de Monteiro, nascido em 21.11.1895 em Monteiro (PB), fica a cargo de cada apologista. Para Joselito Nunes, “um cantador sem parelha”; para Ivo Mascena Veras, “o maior repentista do século” e para muitos a “cascavel do repente”. Ouvi muitas cantorias do velho paraibano, em sua maioria com João Furiba e Zé Feitosa de Lima.

É quase impossível um apologista não ter na mente um dos versos de Pinto. Abaixo transcrevo estrofes extraídas do livro “Pinto Velho do Monteiro – Um cantador sem parelha”, de autoria de Joselito Nunes. Vejam nesta minúscula amostra a capacidade do poeta do Cariri:

Aqui é minha oficina

Onde eu conserto e remendo.

Quando o ferro é grande eu corto

Quando é pequeno eu emendo

Quando falta ferro eu compro

Quando sobra ferro eu vendo.

***

Sou igualmente a balança

Dessa marca Filizola

Que tem um lado um prato

Do outro lado uma bola

E um ponteiro no meio

Onde o matuto se atola.

***

Mas eu sou como lacrau

Que do lixo se aproxima

Vivendo da umidade

Se alimentando do clima

Esperando que um caipora

Chegue o bote o pé em cima.

***

Se for com calma eu aceito

Com desaforo eu respondo

Porque minha natureza

É como a de um marimbondo

Posso morrer machucado

Mas o ferrão não escondo.

***

Quem me fez esse pedido

Devia aprender a ler

Antes de Cristo nascer

Adão já tinha morrido

Vou cantar, mas é perdido

Vai servir de mangação

Já no fim da profissão

Vi o que não tinha visto

NO TRONCO DA CRUZ DE CRISTO

“VIRAM” A CAVEIRA DE ADÃO.  

32 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o “Príncipe dos poetas”, Pedro Bandeira.

Papa – Pedro Bandeira Pereira de Caldas, nasceu no Sítio Riacho da Boa Vista, município de São José de Piranhas (PB), em 01.05.1938. Usou seus trabalhos poéticos como arma em defesa da profissão de cantador, galgou a fama merecidamente.

Em emissoras de rádio do sul cearense, em outras espalhadas pelo nordeste e em cada palco onde se apresentou foi grande baluarte em defesa de cultura raiz. Do livro “Pedro, Bandeira da Cantoria”, de Aquino Neto extraímos as estrofes abaixo.

O padre Cícero Romão

Convidou Pedro Bandeira

Pra morar em Juazeiro

E ar a vida inteira

Defendendo todos os astros

Da cultura brasileira.

***

Aparece um cachaceiro

Calcado com uma bota

Diz: Eu vou querer um facho,

Um fósforo e uma meiota.

Que eu vou descer na quebrada

Botando fogo na grota.

***

Lutei, cheguei ao pináculo

Porque Deus me abraçou.

Tudo ficou diferente

Quando a velhice chegou

Fui despencando aos pouco

Acho que Deus me soltou.

***

Foi do ciclo do rifle e da pistola

Do tropeiro, do tom do catarino

O maior espetáculo nordestino

Nos arames plangentes da viola

Mais famoso do que Émile Zola

E maior que Nabucodonosor

Seguidor do estilo do condor

Defensor do suor do africano

FOI AQUI QUE NASCEU ROGACIANO

JORNALISTA, POETA E ESCRITOR.

***

Eu fiz Nelson deixar sua canção

Teixeirinha deixar o lero-lero

Fiz Orlando deixar o seu bolero

E Gonzaga deixar o seu baião.

Marinês desprezar a gravação

Nunca mais chegou perto da vitrola

Fiz Garrincha e Pelé largarem a bola

E saírem correndo do gramado

Pra ouvir-me em martelo agalopado

Debruçado por cima da viola.

31 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Pedro Amorim exerceu a profissão cantador?

Papa – Pedro Vieira Amorim, nasceu no Sitio Surubim no município de Desterro (PB) em 18.09.1921 apesar de ter feito várias cantorias com grandes nomes do improviso nunca teve a profissão de cantador como atividade principal e dedicou sua vida às lides ligadas à agricultura e pecuária de pequeno porte.

Parte da sua obra está registrada no livro “Poeta dos Vaqueiros”, editado pela CEPE Editora. Dele retiramos as estrofes abaixo transcritas, a segunda e terceira fazem parte do poema “Falando ao Criminoso”

Eu sou é Pedro Amorim

Um dromedário incansável,

Uma serra intransponível,

Um prédio inexpugnável,

Navalhas vulcanográficas

De aço inoxidável.

***

Com remorso o criminoso

Vê nas telas do futuro

Dum lado Deus poderoso

Do outro um caminho escuro

Antro onde o satanás

Rasga a bandeira da paz

Com ódio e hediondez

E da putrefação das covas

Traz as rigorosas provas

Do crime que ele fez…

***

…Então quem for criminoso

Veja o que fez e se renda

Rogue ao Todo poderoso

Pense em Jesus, se arrependa.

Medite as culpas legítimas

Entre Jesus e as vítimas

Se ajoelhe e peça perdão

A esperança dos mortais

Que não é tarde demais

Pra ganhar a salvação.

***

Quando estou me embebedando

Discuto com camaradas,

Saio tombando nas calçadas

Com todo mundo arengando

E chego em casa falando

Da mulher sem merecer

Sem vontade de comer

Morto de necessidade

EU TENHO MUITA VONTADE

PORÉM NÃO POSSO BEBER.

30 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-El – Otacílio Batista é quem precisamos saber hoje, conte-nos.

Papa – Este ano em João Pessoa haverá grande evento sobre o centenário do irmão mais novo dos “batistas”. Otacílio Batista Patriota, nasceu no Pajeú em 1923 e escreveu com letras garrafais o seu nome no cenário da cantoria. Dono de uma voz melodiosa e dotado de grande talento fez por merecer a fama que tem. Não há meio de citar algo da obra de Otacílio sem incluir estrofes que foram eternizadas na voz da cantora Amelinha. Por isto as duas primeiras estrofes abaixo, extraídas do livro “Roteiro de velhos cantadores e poetas populares do Sertão”, de Luís Wilson, são de referida obra prima e as demais retiramos do livro “São José do Egito – Musa do Pajeú”, de Terezinha Costa, parte do poema “As três raças”.

Alexandre figura desumana

Fundador da famosa Alexandria

Conquistava na Grécia e destruía

Quase toda a população tebana.

A beleza atrativa de Roxana

Dominava o maior conquistador

E depois de vencê-la, o vencedor

Entregou-se à pagã mais que formosa

MULHER NOVA BONITA E CARINHOSA

FAZ O HOMEM MORRER SEM SENTIR DOR.

Virgulino Ferreira, Lampião

Bandoleiro das selvas nordestinas

Sem temer a perigos sem ruínas

Foi o Rei do Cangaço no Sertão

Mas um dia sentiu no coração

O feitiço atrativo do amor

A mulata da terra do condor

Dominava um fera perigosa

MULHER NOVA BONITA E CARINHOSA

FAZ O HOMEM MORRER SEM SENTIR DOR.

…O índio foi perseguido

Pela civilização.

O negro ficou sem pátria

Sem lar, sem terra e sem pão.

Português ambicioso

Vencendo o mar tenebroso

Descobre o maravilhoso

Brasil, querida nação.

***

São três povos diferentes

Unidos valem por seis

O índio é dono da terra

O negro por sua vez

Deixou de ser soberano

Trouxe do solo africano

Nos gemidos do oceano

Sangue para o português…

29 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre Nonato Costa, o que temos para nosso público?

Papa – Raimundo Nonato da Costa, nasceu em 12.11.1969 no sítio Riacho dos Porcos, município de Santana do Acaraú (CE). Em conjunto com Raimundo Nonato Neto trouxe nova dinâmica para cantoria. Para este cronista deram uma cara nova sem trair as tradições, usaram ferramentas modernas para expandir a arte. A dupla “Os Nonatos” é um marco que alguns podem tentar reduzir a importância, ignorar é impossível. No auge da carreira enveredaram para o mundo da música e foram apresentadores do programa “Cantos & Contos” em TV de João Pessoa, ligada ao grupo Correio de Comunicação. Desfizeram a dupla e hoje executam a arte individualmente, Nonato Costa com sua banda faz sucesso onde se apresenta. As estrofes abaixo foram retiradas no livro: “De Repente a Cantoria”, de Geraldo Amâncio e Vanderley Pereira.

Vindo de qualquer lugar

Pra me enfrentar fica azedo

Pede a Deus que acabe logo

Pra poder ir dormir cedo

Começa roxo de raiva

E finda amarelo de medo.

***

Seu poema é como a foz

Dos sentimentos escritos

Por isto são mais bonitos

Do que sua própria voz.

Só não canta como nós

Mas se quisesse, podia.

Verso é Deus que lhe envia

Como o mar manda a maré

PATATIVA DO ASSARÉ

GÊNIO IMORTAL DA POESIA.

Patativa não atrasa

Quando recita não erra

Seu corpo é da cor da terra

E os olhos da cor de brasa

Só não fui na sua casa

Para comemorar seu dia

Porque estava na Bahia

E não dava pra vir a pé

PATATIVA DO ASSARÉ

GÊNIO IMORTAL DA POESIA.

Eu não quero matar minha saudade

Eu não troco um riacho num açude

Eu não troco a doença na saúde

Nem velhice em lugar de mocidade

Eu não troco a fazenda na cidade

Eu não troco a cidade no Estado

E não aceito escutar um Jorge Amado

No lugar de Camões ou Gil Vicente

EU NÃO TROCO UM MINUTO DO PRESENTE

POR CINQUENTA OU CEM ANOS DO ADO.

28 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o poeta de Paulista (PB), Moacir Laurentino.

Papa – Moacir Cosme de Lima nasceu em 13.02.1945 no sítio Logradouro – Paulista – PB, exímio cantador e contador de história e “estórias”. Nos anos 1970 residiu em Afogados da Ingazeira – PE, onde ao lado de Raimundo Borges conduziu um dos programas de rádio mais famosos do mundo da cantoria, o “Quando as violas se encontram”. Depois com Sebastião da Silva formou uma das duplas mais famosas de toda história dos versos de improviso.

A primeira estrofe abaixo foi feita em uma mesa de glosas em São José do Egito, em mote de Lourival Batista, a segunda e terceira foram destacadas do livro “De repente cantoria” de Geraldo Amâncio e Vanderley Pereira, as demais foram extraídas do livro “Poetas encantadores” de Zé de Cazuza.

Quando o nosso pessoal

Esperava outro segredo

Chegou um tal Figueiredo

Montado noutro animal

Com traje de general

Esbanjando vaidade

Rasgando a sociedade

Na roseta de espora

A HUMANIDADE CHORA

A FALTA DE HUMANIDADE.

O meu verso vai cortando

O sertão abrasador

E chega na mesma hora

Que o caboclo agricultor

Abre a camisa e se abana

Para esfriar o calor.

***

Um cheiro de carne assada

Sobre pra casa vizinha.

Daqui mais uns dez minutos

Começa o subir galinha

Num pereiro velho seco

No terreiro da cozinha.

***

A chuva molhou o chão

Trovejou que tive medo

O orvalho gotejou

Na folha do arvoredo

Rasgando o tecido fino

Que a aranha fez bem cedo.

***

Eu voltei ao botequim

Onde tomei muita cana

Depois palestrei um pouco

Debaixo da cajarana

Com um cigano cansado

De seguir a caravana.

27 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – O paraibano Manoel Xudu merece a fama que tem?

Papa – E muito mais. As únicas pessoas capazes de avaliar a obra de Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu, que nasceu na São José de Pilar (PB), em 15.03.1932 são os poetas que o enfrentaram num pé-de-parede. Cantador extraordinário, para mim está no pódio da olimpíada dos versos magistrais. Para mostrar um pouco da sua obra transcrevemos estrofes pesquisadas pelo poeta Luiz Berto. O que será a ser registrado é um minúsculo fragmento de uma das mais belas histórias do mundo da cantoria.

Tem coisa na natureza

Que olho e fico surpreso:

Uma nuvem carregada,

Se sustentar com o peso,

De dentro de um bolo d’água,

Saltar um corisco aceso.

* * *

Uma novilha amojada

Ao se apartar do rebanho,

Quando volta, é com uma cria

Que é quase do seu tamanho;

Ela é quem lambe o bezerro,

Por não saber lhe dar banho.

* * *

Carneiro do meu Sertão,

Na hora em que a orelha esquenta,

Dá marrada em baraúna

Que a casca fica cinzenta

E sente um gosto de sangue

Chegar à ponta da venta.

* * *

Eu tava na precisão

Quando me casei com Nita,

Nada tinha pra lhe dar

Dei-lhe um vestido de chita,

Ela olhou sorrindo e disse

Oh! Que fazenda bonita!

* * *

O ligeiro mangangá

a, nos ares, zumbindo;

As abelhas do cortiço

Estão entrando e saindo,

Que, de perto, a gente pensa

Que o pau está se bulindo.

* * *

Vê-se o sertanejo moço

Com três meses de casado;

Antes de ir pro roçado,

Da mulher, beija o pescoço.

Ela lhe traz, no almoço,

Uma bandeja de angu,

A titela de um nhambu,

Depois lhe abraça e suspira.

O SERTANEJO IRA

AS MANHÃS DO PAJEÚ.  

26 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Conte-nos um pouco de Manoel Filó.

Papa – Manoel Filomeno de Menezes, para este apologista e de acordo com o pensamento de muitos que com ele conviveram foi o mais fidalgo entre os poetas que pisaram no mundo. Rimas perfeitas, métrica impecável e imagens deslumbrantes as marcas da obra desse sertanejo que nasceu em 1930 no Sítio Tabuado, em Jabitacá, distrito de Iguaracy (PE). As estrofes abaixo, publicadas em redes sociais, pelo seu sobrinho Maurício, servem como pequena demonstração da sua produção poética. O livro “As curvas do meu caminho”, publicado em 2004, carrega parte do que Manoel Filó nos presenteou. É uma das mais belas publicações do mundo da poesia.

“A vaca levanta o casco

No dia que tem chovido:

Sacode a lama no mato,

Que só acho parecido

Com uma mecha de enxada,

Quando a cunha tem caído

Bonito é ver-se uma enchente

Ao clarão da lua cheia,

Se alargando no baixio,

Trazendo bancos de areia,

Salvando um campo de milho

Que a folha virou correia.

Tenho visto, muitas vezes,

Uma galinha pequena

Juntar sua filharada

Numa manhã que serena,

Deixa os pintos respirando

Por entre as falhas da pena.

Quando o inverno começa

Fica o mundo transformado.

O mato que apodrece,

No aceiro do roçado,

Fica desprendendo um cheiro

De bacalhau cozinhado.

Quando a chuva principia

Se recomeça o trabalho.

Quem olhar, vê, pelas plantas,

Milhões de pingos de orvalho,

Como se houvesse um rosário

Pendurado em cada galho.

Depois disso, a tanajura

Por cima da terra mole,

O cururu se aproxima

Com a barriga de fole,

Estira a língua pra ela,

Se se descuida, ele engole”.

25 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre o poeta cearense Louro Branco o que nos tem para contar?

Papa – Francisco Maia de Queiroz, o Louro Branco, nasceu na Vila Feiticeiro, em Jaguaribe (CE), no dia 02.09.1943. improvisador fantástico, poeta de alta linhagem. Cantando derrubou a tese que “a pressa é inimiga da perfeição”. Com a rapidez de um relâmpago assustou muitos oponentes com estrofes perfeitas. Entre os ingredientes naturais na sua poética, podemos destacar a capacidade de sintetizar e o humor. As estrofes abaixo foram tiradas do livro “De repente cantoria” do poeta Geraldo Amâncio e do jornalista Vanderley Pereira.

Quando um casal não se entende

Tem uma guerra no quengo.

Ele escuta cantoria,

Ela assiste mamulengo.

Ele só torce Palmeiras

Ela só torce Flamengo.

Na figura da sereia

Um grande segredo ocorre

Durante a noite ela voa

Durante o dia ela corre

Não casa, não se amanceba

Não fica velha nem morre.

Esse troço que ele traz

Tem teta e tem caracol.

A ponta e ver um espada

O cabo é ver um anzol

No inverno é guarda-chuva

E no verão guarda-sol..

Na TV tem serenata

Até da gota serena.

Tem Piquet, Airton Senna

Tem mentira, tem bravata.

Tem “Cabaré do Batata”

Cursos, jantar, cortesia,

Comercial, loteria…

Entrevista até com o cão

PORQUE A TELEVISÃO

NÃO DIVULGA CANTORIA?

Só novela imoral

Ou violência cruel.

Tem “Barriga de aluguel”

Ainda tem “Meu bem, meu mal”.

Só não tem é Juvenal

Geraldo, nem Ventania

Daudeth nem Zé Maria

Louro Branco e Azulão

PORQUE A TELEVISÃO

NÃO DIVULGA CANTORIA?

24 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o rei dos trocadilhos, Lourival Batista.

Papa – Lourival Batista Patriota, nasceu em Itapetim – PE, em 1915. É por merecimento nome de destaque na arte da cantoria. Sua obra poética é infinda e os trocadilhos famosos foram sua marca maior. Seus atos como figura humana são emblemáticos, junto com a esposa Helena Marinho atendeu as regras franciscanas no tocante o amor ao próximo e ajuda aos desvalidos. Ivo Mascena Veras transcreveu parte da sua obra em livro espetacular, desta publicação extraímos o poema “Palhaço que ri e chora”.

“Pinta o rosto, arruma palma

Dentre os néscios e sábios

O riso aflora-lhe os lábios

A dor tortura lhe a alma

a com toda calma

Desgostos a qualquer hora

Quando que bem, vai embora

Vive num eterno drama

Pensa, sonha, sofre e ama

PALHAÇO QUE RI E CHORA.

Se ama alguém com desvelo

Deixá-lo é martírio enorme

Se vai deitar-se não dorme

Se dorme, tem pesadelo

Sentindo um bloco de gelo

Lhe esfriando dentro e fora

Desperta, medita e cora

Sente a fortuna distante

Julga-se um ‘judeu errante’

PALHAÇO QUE RI E CHORA.

Pelo destino grosseiro

A vida jamais lhe agrada

Se sente a alma picada

Tem que ir ao picadeiro

Não pode ser altaneiro

Não tem repouso uma hora

Chagas dentro, rosas fora

Guarda espinhos, mostra flor

Misto de alegria e dor

PALHAÇO QUE RI E CHORA.

Palhaço tem paciência

Que da planície ao pináculo

Este mundo é um espetáculo

Todos nós, a assistência

A falta de inteligência

Gargalhamos qualquer hora

Choramos sem ter demora

Sem ânimo, coragem e fé

Porque todo mundo é

PALHAÇO QUE RI E CHORA”.

23 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre Lourinaldo Vitorino o você nos conta?

Papa – Lourinaldo Vitorino Ferreira, nasceu em 1959 na cidade de Venturosa, estado de Pernambuco. Filho do poeta Joaquim Vitorino e irmão de Diniz Vitorino, isto o aproximou da profissão por eles exercida. Com mérito galgou fama em festivais e nos eventos conhecidos como cantoria de pé de parede. Criou uma marca própria alicerçada na combatividade e defesa de liberdades e causas relacionadas com lutas sociais. As estofes abaixo foram extraída do seu poema “Mulato Guerreiro”.

“Brasil, mulato guerreiro

Forte, porém mal treinado.

Explorado por inteiro

Unicamente explorado.

Os que te sugam Brasil

Valem-se do mesmo ardil

Matam crianças de fome

Invadem tua fronteira

Manchando a tua bandeira

Endividando teu nome…

 

Teus sábios alienados

São os teus agricultores

Libertos ‘escravizados’

Por patrões usurpadores.

Estes teus guerreiros bravos

São verdadeiros escravos

Dos desalmados patrões

Ricos financeiramente

Criminosos mentalmente

E pobres por intenções…

 

Teus rios são poluídos

Teus ares envenenados

Teu tesouro é destruído

Teus filhos alienados.

Teu ouro é subtraído

Enfim Brasil tu tens sido

Um jogo de pega e solta

Dos criminosos daqui

Que tiram tudo de ti

Sem nada te dar de volta…

 

Os espaços diminuem

Aumenta a fome das massas

Mulheres se prostituem

Crianças roubam nas praças.

E eu fico me perguntando

Brasil, Brasil até quando

Teu povo vai ar

Injúria, abuso e terror

Enfim Brasil sofredor

Quando pretendes mudar”.

22 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o poeta Lino Pedra Azul.

Papa – Lino Pedra Azul de Lima, nasceu em Monteiro (PB), a segunda cantoria que assisti em minha vida foi com este poeta em companhia de Pinto de Monteiro. Integrou a velha guarda da cantoria. A primeira estrofe abaixo retirei do livro “De repente Cantoria” de Geraldo Amâncio e Vanderlei Ferreira, as demais foram, retiradas do livro “Poetas Encantadores”, de Zé de Cazuza, que falam sobre pessoas e fatos regionais assim como dos seus impactos em suas vidas. Verdadeiras crônicas do cotidiano.

Pinto acabou com Zé Duda

E Marinho de São José.

Fez Mergulhão ficar rouco

Endoideceu Josué.

Vocês se enganam de besta

Mas eu sei Pinto quem é..

É muito ingrata a pessoa

Que a sua mão estende

Para prender uma ave

Além de prendê-la, vende.

Em vez do preso ter crime

O criminoso é quem prende.

Mora na propriedade

Que foi de Antônio Fumeiro.

Um homem que gastou tudo

Com mulher e cangaceiro.

Depois dessa extravagância

Morreu de esmola em Monteiro.

Quem é que foi João Modesto

Velho de barriga cheia

E hoje na casa alheia

Come quando sobra um resto

O seu prazer manifesto

Cedo desapareceu

Até a vista perdeu

Hoje está cego de guia

O HOMEM NASCE E SE CRIA

SEM SABER PRA QUE NASCEU.

Eu conheci um prefeito

Aqui neste município

Que trabalhou a princípio

Fazendo tudo direito

Caiu, não foi reeleito

Ficou do povo esquecido

Hoje fora do partido

Só anda marchando atrás

QUEM JÁ FOI E NÃO É MAIS

ERA MELHOR NÃO TER SIDO.