21 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Conte-nos um pouco da história do cordelista Leandro Gomes de Barros.

Papa – Não é possível falar sobre a história do cordel sem citar Leandro Gomes de Barros que nasceu em 1865 na fazenda Melancia em Pombal (PB). Câmara Cascudo em sua obra “Vaqueiros e cantadores” assim define o poeta”…o mais fecundo de todos os poetas sertanejos…fecundo e sempre novo, original e espirituoso, é o responsável por oitenta por cento das glória dos cantadores atuais”. Eu não tenho argumentos para discordar do folclorista potiguar.

Poderíamos gastar muitas laudas para citar a obra do poeta cordelista de Pombal, contudo, vamos apresentar o poema a seguir, retirado do livro “Leandro Gomes de Barros – O mestre da literatura de cordel – Vida e obra”, da autoria de Arievaldo Vianna.

A TARDE

Tomba a tarde, o sol baixa seus ardores,

Alvas nuvens no céu formam lavores

E a voz da arada o campo enchendo:

O juriti em seu ramo de dormida

Soltando um canto ali por despedida

Dando adeus ao sol que vai morrendo.

E mergulha o sol pelo acaso,

Já o dia ali venceu o prazo,

Abrem flores, o orvalho em cotas vem;

Limpa o céu, o firmamento se ilumina,

Uma luz alvacenta e argentina

Já se avista no céu, mas muito além.

Regressam do campo lavradores,

Apascentam os rebanho os pastores,

E o mundo fica ali em calmaria;

A matrona embala o filho pequenino

E prestando atenção à voz do sino

Quando dobra no templo a Ave-Maria.

Vem a noite, dormem ali as cousas mansas

Dormem quietos os justos e as crianças

E a Virgem envia preces à divindade;

A velhice recorda arrependida

Todo erro que fez em sua vida

E murmura: Quem me dera mocidade.

Do livro acima citado destacamos a estrofe abaixo do cordel “A alma de uma sogra”.

Porque é que a medicina

Estuda tanto e não logra,

Por exemplo: um preparado

Que dê mais valor à droga

Porque razão não inventa

Vacina pra não ter sogra.

20 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre o filho de Princesa Isabel, João Paraibano o que nos conta?

Papa – João Pereira da Luz, ou simplesmente João Paraibano, nasceu em 1952 no Sítio Pica Pau, município de Princesa Isabel. Para o mundo cantoria um dos gênios. Para mim, além de grande amigo, o poeta que melhor traduziu em poesia a história do povo sertanejo. Se alguém me pedisse para definir João Paraibano em duas palavras eu diria: Talento e persistência. Enfrentou todo tipo de preconceito e, sem gritar com seu ninguém, calou os críticos. Com Sebastião Dias formou uma dupla que superava qualquer expectativa.

Após seu falecimento, diríamos precoce, Ésio Rafael, Marcos os e Santana “O Cantador” publicaram “João Paraibano – O herdeiro dos astros”. Deste livro tiramos as estrofes a seguir transcritas. É uma das mais perfeitas publicações sobre um cantador de viola produzida no Brasil.

Se eu não fosse sertanejo

Inda não tinha aprendido

Que o preá tem apelido

De bengo ou de sacolejo

Que o gabiru rouba queijo

Que o morcego é sem visão

Que a cigarra do verão

Estoura quando assovia

SOU GRATO A DEUS TODO DIA

PORQUE NASCI NO SERTÃO.

É bonito o matuto se firmar

Carregando um galão com duas latas

E um cachorro de pé nas duas patas

Convidando seu dono pra caçar

Uma gata parida carregar

Um filhote que nasce sem visão

Quando a boca se cansa, põe não chão

Mas a presa não fere sua cria

DEUS PINTOU O SERTÃO DE POESIA

MEU ORGULHO É SER FILHO DO SERTÃO

É ruim se cantar sentindo

Que é da rima explorador.

Que a rosa estando murcha

Abelha não sente odor

Não sente raiva do galho

Mas sente pena da flor.

Eu só aprendi cantar

O sabiá na pimenta

O boi de carro enfadado

Na hora que o sol esquenta

Botando a ponta de língua

Nos dois buracos da venta.

19 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – O que você nos conta sobre João Furiba.

Papa – João Batista Bernardo, o famoso João Furiba, nasceu em Taquaritinga do Norte (PE) no ano de 1925, contudo em muitas publicações o ano de nascimento dele é 1931. No livro “Antologia Brasileira – Minhas aventuras” ele mesmo confirma essa mudança de ano. Figura ímpar, grande poeta e criador de muitos fatos pitorescos. Com certeza é o poeta que mais vezes ouvi cantando em pé de parede, por mais de vinte anos tive o privilégio de escutar versos e muitas “estórias” desse cantador.

Do seu livro “Furiba – Falando a verdade”, extraímos as estrofes abaixo. Nelas pode ser identificada a capacidade do poeta. Filosofia, briga, sentimento e o que surgisse numa peleja ele não ficava calado. De pequeno somente o corpo.

Colega João da Silveira

Teu orgulho te consome

Essa roupinha se acaba

Esse corpo a terra come

Ainda chegará o tempo

Que ninguém fala teu nome.

Eucalipto velho amigo

Deste lugar fostes dono

O chão te serviu de trono

A floresta, teu abrigo.

Para teu grande castigo

Fundaram, aqui, essa empresa

Morreu a tua grandeza

Com este aterro pesado

E O FIO DO MACHADO

DESTRUIU TUA BELEZA.

Você deve é mudar de pensamento

Vender doce, cocada e picolé

Três ou quatro garrafas de café

Porque isto lhe deixa rendimento

Candeeiro, marmita, cordão bento

Erva-doce e pimenta-de-macaco

Espoleta, enxofre, breu, tabaco

Botão rápido, fivela, prego e cola

SE DESPEÇA DO BRAÇO DA VIOLA

QUE PRA ARTE VOCÊ É MUITO FRACO.

Lá em casa chegou um candidato

Me falou com a cara muito lisa

Prometeu um calça e a camisa

Paletó, a gravata e o sapato.

Na parede pregou o seu retrato

Eu falei: – Vou votar com o senhor

Prometeu um pirão de corredor

Não deu nem a farinha do pirão

O POLÍTICO DEPOIS DA ELEIÇÃO

NEGA TUDO O QUE DISSE AO ELEITOR.

Maciel Melo, defensor da música nordestina em prosa, verso, causos e cantos

Maciel Melo, cantor e compositor

Por Germana Macambira/Folhape

Poeta e cantador quando cisma de melodiar um fato e dar letra a um causo “qualquer”, não há impedimento que o remova da ideia. “Todo show que eu faço, tem uma galega perto do palco”.

Justificativa razoável o suficiente para criar um xote e chamá-lo de “Xote da Galega” e, assim, celebrar galegas forrozeiras e apreciadoras de um dos nomes mais atuantes em prol da cultura nordestina, o cantor, compositor, poeta e escritor Maciel Melo, 61.

Foi ele quem deu voz à composição de Glauber Martins, lançada no último mês de março e, por óbvio, em plena circulação às vésperas dos festejos juninos que já pairam na Região e, especificamente, Pernambuco afora.

Do Sertão para o mundo

De Iguaracy, cidade do Sertão pernambucano, distante pouco mais de 350 Km do Recife, Maciel segue ileso aos costumes e progressos (?) da “cidade grande”.

Em visita à Folha de Pernambuco para uma prosa – e das boas – foi de sandália e o típico chapéu que o identifica sombreando os óculos, outro dos seus órios inconfundíveis, que ele deu as caras, atestando também pelo sotaque o quanto suas andanças ao longo de pouco mais de 40 anos de carreira Brasil e mundo afora, e pelo menos 400 composições, não lhe tiraram a essência de sertanejo estilo “caba da peste”, irador de Gonzaga e defensor do forró em toda sua legitimidade.

(Des)valorização do forró

“O forró é para qualquer tempo e palco, mas tem perdido espaço, não é valorizado, não é protagonista como deveria ser em festa como o São João. Acho que cabe todo mundo, todos os ritmos em todo lugar, mas precisamos de mais atenção”, ressalta o “Caboclo Sonhador”, em conversa que, claro, desaguou para o resfolego da sanfona dos festejos juninos.

“Estarei no São João da Roça em Caruaru, no próximo dia 19, lá em Terra Vermelha, e estou muito feliz por isso, pelo forró que vai chegar por lá, em um polo descentralizado”, comentou Maciel que, além da “Capital do Forró”, estará no dia seguinte, 20 de maio, em Serra Negra (Bezerros). Da agenda também constam agens pelo Bairro do Recife e Zona Sul, entre outras programações.

Embora seja nos festejos de junho levados pelas batidas das zabumbas que ele se sinta “em casa” – época em que a essência do nordestino aflora em manifestações culturais e ‘gonzaguianas’ – como compositor e artista diverso que é, integrando o rol das referências da Música Popular Brasileira, Maciel Melo segue em meio a parcerias que lhe são o tanto quanto caras. Seu enlace com o renomado Renato Teixeira é um exemplo.

Parceria com Renato Teixeira

“O instante mais sublime de minha vida foi cantar com Renato Teixeira”, confessa ele, depois de declamar o Recife em versos musicados por ele e por Teixeira, em “Recife Eu e Você”, música gravada por ambos, disponível nas plataformas digitais.

“Ele me ligou dizendo que queria celebrar a Cidade em uma canção comigo”. E assim se fez, em letra que eia pela Livro 7 e pelo “homem de azul que ensina a pensar”, remetendo ao saudoso Tarcísio Pereira. Alceu, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, as pontes e manguezais também estão incorporados nos versos.

Fagner, Zé Ramalho, Elba, Vital Farias, Dominguinhos, Xangai e Flávio José são outros nomes que dividiram palcos e discos com Maciel e/ou emprestaram a voz a composições assinadas por ele, que desde “Desafio das Léguas” (1989), o primeiro disco, até os dias atuais e os que ainda virão, tem fincado os seus cantos, causos e poesias no solar repertório da música nordestina (e brasileira).

18 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o lirismo de Job Patriota.

Papa – Job Patriota de Lima nasceu no sítio Cacimbas, de Itapetim em 1929. Dos gênios da cantoria foi um dos que mais irei, seu jeito de ser me encantava. Seus versos tinham uma dose de lirismo acima do normal. Onde estivesse não havia tristeza, era dono de humor refinado, tinha umas tiradas impagáveis.

Do seu livro “Na senda do lirismo” extraímos as estofes abaixo, nelas podemos ver um pouco da arte dessa pajeuzeiro da gema.

Olhos belos, linda tranças

Rostos lindos, mãos pequenas.

Como um casal de andorinhas

No campo eriçando as penas

Ou duas estátuas gregas

Nas avenidas de Atenas.

Eu tanto jogo baralho

Como gosto de bebida.

Quando acerto é sem escala

Quando erro é sem medida.

Quem nunca errou neste mundo

Fez pouca coisa na vida.

É falta de caridade

Expulsar um peregrino.

Bater na cara de um cego

Cortar a corda de um sino

Negar cachaça a um poeta

Tomar um pão de um menino.

Segundo a religião

Comungar é coisa séria

Não é pão da matéria

Mas do espírito é o pão

Um ato de contrição

Que rezado com fervor

Limpando do pecador

Da alma os cantos manchados

FELIZES OS CONVIDADOS

PARA CEIA DO SENHOR.

Foi assim que o rebento de Maria

No silêncio da simples manjedoura

Teve a mãe como santa defensora

E seu pai adotivo como guia.

Nessa pobre e humilde hospedaria

Estalagem pequena sem valor

Entre pedra, capim, garrancho e flor

Diferente de um prédio bizantino

NA FRIEZA DA GRUTA O DEUS MENINO

TEVE O BAFO DE UM BOI POR COBERTOR.

17 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o grande poeta Ivanildo Vila Nova.

Papa – Para muitos apologistas Ivanildo Vila Nova, que nasceu em Caruaru no ano de 1945, é o maior nome da cantaria da sua geração, para outros o maior de todos os tempos. Uma coisa não se discute no meio da cantoria, sua importância para classe de poetas populares. Sempre foi voz ativa em defesa do profissionalismo na arte do repente e do respeito que o artista da viola merece.

É impossível narrar a obra de Ivanildo Vila Nova em um livro, imagine neste espaço. Eis uma amostra minúscula. As três duas primeiras estrofes abaixo foram extraídas do livro “Ivanildo Vila Nova – Mitos, versos e viola”, de José Edmilson Rodrigues e Irani Medeiros e os dois últimos do livro “Poetas encantadores”, de Zé de Cazuza.

Na igreja que a casa que ampara

Eu entrei furioso qual um potro

Ao sair da igreja eu era outro

Diferente daquele que entrara

Pois a padre também em mim notara

Que eu sofrera a maior transformação

Eu entrara prá’li como um leão

Mas saíra dali domesticado.

SENTI MENOS O PESO DO PECADO

QUANDO FIZ A PRIMEIRA COMUNHÃO.

Pra conhecer meus acenos

Eu não vejo quem se gabe

A minha mulher não sabe

E os meus sogros muito menos

Os meus meninos pequenos

Não conhecem o gênio meu

Minha mãe nunca entendeu

Meu pai nunca decifrou

SÓ EU SABE QUEM EU SOU

QUEM SABE QUEM SOU, SOU EU.

Entre facas e punhais

Com um filho um crime ocorre

Uma mãe atribulada

Pra casa da outra corre

A mãe do filho que mata

Consola a mãe do que morre.

O homem faz um rosca,

Parafuso e similares,

Um prédio com dez andares,

Ou uma morada tosca.

Porém não faz uma mosca

Pequenina e indefesa

Que come na nossa mesa

E fica querendo mais

O HOMEM MORRE E NÃO FAZ

OS FEITOS DA NATUREZA.  

16 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre Gregório Filó.

Papa – Gregório Filomeno de Menezes nascem em 1944 no Sítio Cachoeira de Manoel Valentim, em São José do Egito. Poeta por excelência. Na aba do seu livro “Versos em motes diversos” seu sobrinho Maurício Menezes escreveu: “Autodidata, compenetrado, leitor voraz, perfeccionista, lapida seu tesouro poético com o respeito e a dedicação que todos os poemas merecem ter”. Amante da verdade, diálogo franco e sem arrodeio. Amigo para o que der e vier. Do livro acima extraímos as décimas abaixo:

Sendo eleito e reeleito

Todo político corrupto

Dá um tratamento abrupto

A quem lhe ajudar no pleito

Eleitor mal satisfeito

Existem em todo ambiente

Pilantra que rouba a mente

Vemos até no altar

É UM PECADO VOTAR

EM POLÍTICO INCONSEQUENTE.

A soberba e a prepotência

Não geram tranquilidade

E excesso de autoridade

Não garante obediência.

Porque a nossa existência

É uma estrela cadente

Do brilho resplandecente

a a uma órbita sombria

TODA VEZ QUE MORRE UM DIA

MORRE UM PEDAÇO DA GENTE.

Morando num palacete

Não se sente satisfeito

Porque tem que andar com jeito

Pra não sujar o tapete

A falta de alfinete

N’alguma decoração

Dói mais que a falta de um pão

Na mesa de um flagelado

VIVE O RICO INTOXICADO

PELA SOFISTICAÇÃO.

Estando necessitado

Não se humilhe nem se iluda

Para conseguir ajuda

Se mostre sempre educado

O prefeito ou deputado

Trate por Vossa Excelência

Não é com irreverência

Que o sujeito enche a sacola

ATÉ PRA PEDIR ESMOLA

É PRECISO COMPETÊNCIA.

15 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre o famoso Geraldo Amâncio o que nos conta?

Papa – Geraldo Amâncio Pereira nasceu em 1946 no sítio Malhada da Areia, município de Cedro (CE). Além de poeta extraordinário é grande comunicador e defensor da cultura raiz. Por meio cantorias, palestras, livros, cordéis, rádio e televisão faz da voz eco intransigente em defesa de valores culturais do nosso país, inclusive no exterior.

Para este cronista o seu trabalho em disco de 1976 “Violas de Ouro”, em parceria com Ivanildo Vila Nova é um divisor d’água. Entre idas e vindas foi sem dúvida uma das grandes duplas da cantoria nordestina.

As estrofes abaixo transcritas foram retiradas do seu livro “Andarilho do canto e da palavra”. Este eio pela obra do poeta cearense é uma pequena amostra da sua imensa capacidade criativa. Pela ordem são: Trova, sextilha e décimas.

 

Dos homens pobres e opacos

Cristo fez os seus es,

Deu trabalha com os fracos

Para confundir os fortes.

O temor me transformou

Fiquei velho e esquisito.

Já tive cabelos louros

Como os trigais do Egito

Pros olhos da minha mãe

Já fui menino bonito.

 

Na noite que a chuva desce

Molha a terra, nasce a planta,

Na lagoa o sapo canta

A voz sonora estremece,

Não cansa nem enrouquece,

Nem nunca fica doente.

Mesmo bebendo água quente

Não sofre de rouquidão

A gente sai do sertão

E o sertão não sai da gente.

 

Olho o filme do tempo e me torturo,

Ele mostra no meu inconsciente,

Meu ado maior que o presente,

Meu presente menor que o futuro.

Se a velhice é doença eu não me curo

Os três males se cura do ancião

São: Desprezo, carência e solidão

Hoje em dia sou réu dessa trindade

Se eu pudesse comprava a mocidade

Nem que fosse pagando à prestação.

14 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre outro filho do Piauí, Edmilson Ferreira, faça o registro.

Papa – O poeta Edmilson Ferreira dos Santos nasceu no Piauí em 1972, na cidade de Várzea Grande. Forma com o poeta potiguar Antonio Lisboa uma das mais antigas duplas de cantadores, é professor universitário e mestre. Desde a época da pandemia mantém com sucesso em seu canal o programa “Papo de Mestre”, por onde já aram muitas pessoas ligadas à nossa cultura raiz.

Em função da sintonia com o universo virtual, extraímos as duas sextilhas abaixo da dissertação do seu mestrado – editada sob o título -, “A poética da cantoria na contemporaneidade”. As décimas foram transcritas do trabalho “DOSSIÊ DE REGISTRO DO REPENTE Fundamentação do Processo de Registro do Repente como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil”, do Professor e Doutor João Miguel Manzolillo Sautchuk, da Universidade de Brasília.

I

Tentaram me hackear

Mas eu resolvi depressa

Hackers clonam nossas senhas

Foi, não foi, um se atravessa

Mas duvido que eles façam

Uma estrofe como essa.

II

A web tem blog, fórum e clube

Vez em quando incorpora novos links

Um complexo de código e protocolo

Redes lan, fibra ótica hiperlinks

Quando o fruto da arte cai na rede

O produtos final fica nos “trinques”.

I

No bloco reacionário

Da política da nação

Membros do alto escalão

De modo desnecessário

Travam disputa em plenário

Realizam acusação

Pronunciam palavrão

Um no noutro a a perna

Pra por fim nessa baderna

QUE FALTA FAZ LAMPIÃO!

II

Você diz a muita gente

A que bate em mim se quiser

E eu acho que você quer

Chamar atenção somente

Se você se diz valente

A saiba que sou sem dizer

Mas se você pretender

Partir da lábia pra luta

Estou pronto pra disputa

BATA EM MIM QUE EU QUERO VER.

13 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre o filho do Piauí, Domingos Fonseca.

Papa – Domingos Martins da Fonseca, nasceu na cidade de Miguel Alves, estado do Piauí em 1913. Para muitos é um dos nomes que merecem destaque na cantoria de viola de todos os tempos. Sobre sua extrema capacidade de improvisar ouvi depoimentos de muitos cantadores.

As três sextilhas abaixo transcritas foram extraídas do trabalho acadêmico “O cantar de Domingos Fonseca a identidade negra na diáspora”, autoria de Marli Maria Veloso e Elio Ferreira de Souza, graduada e Doutor da Universidade Estadual do Piauí. É salutar quando vemos a cultura popular sendo debatida nas universidades. A décima transcrita foi improvisada por Domingos Fonseca em cantoria com Dimas Batista, retirada do livro “Obras Poéticas” do poeta de Itapetim e irmão de Lourival Batista. Percebe-se que a sensibilidade tinha ligação umbilical com a poética do piauiense, além do vasto conhecimento.

A luva que Deus atira

Nunca veio à minha mão,

E se veio desconheço

As cores dela quais são,

Se é negra vestiu minha alma

Se é branca não chegou não.

 

Dos meus pais não me lembro mais,

Pois sou como um arinho,

A morte roubou meus pais,

Deixou-me implume no ninho,

O primeiro voo da vida,

Quando dei já foi sozinho.

 

Toda mãe, por qualquer filho,

Se iguala no amor.

As mães de Cristo e de Judas,

Sofreram a mesma dor.

Uma pelo filho justo

Outra pelo pecador.

 

Recordo Castro Alves na versagem,

Tiradentes na sua história pública,

Lembro Deodoro na República,

E vivo Miguel Ângelo na imagem,

Imitando Oliveiros na coragem,

Ou a um Ferrabrás de Alexandria,

Comparando-me a Nero em soberbia,

E, na ciência, a Tales de Mileto,

Sou Augusto dos Anjos no soneto,

Luís Vaz de Camões na poesia.

12 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Diomedes Mariano, fale-nos sobre esse filho de Solidão.

Papa – Diomedes Laurindo de Lima, conhecido como Diomedes Mariano no mundo da cantoria e como Dió no ambiente familiar e entre pessoas próximas. Desde cedo demonstrou grande potencial na arte da poesia. Nasceu em 1964 em Solidão e ainda muito jovem mudou-se para Afogados da Ingazeira, local onde atua como radialista, comerciário e empreendedor.

Conviveu por muito tempo com o dilema de seguir com “viola nas costas” pelo Nordeste, ter outra profissão ou desenvolver as duas habilidades. É difícil identificar a data exata dessa ruptura. Hoje é reconhecido no universo dos cantores profissionais pelo talento de grande repentista e pelo comportamento como amigo e cidadão, marcas facilmente perceptíveis.

Com soneto “Eu quisera” abaixo transcrito, e uma das estrofes do magnífico poema “Reconhecimento”, feito para sua mãe, Dona Zezinha, apresento a prova da extrema capacidade de Dió de fixar obras primas na mente dos seus ouvintes, em declamações e improvisos, ou na leitura de suas criações poéticas. Poucos poetas conseguem transcrever uma imagem em um poema ou num verso isolado com o lirismo, a sutileza e a sensibilidade como o faz Diomedes Mariano.

Eu quisera um país sem escopeta,

Sem revólver, sem bala, sem canhão,

Sem gatilho quebrando a espoleta,

Sem acúmulo de gente na prisão.

Sem mulambos rasgados na maleta,

Dos famintos da triste emigração,

Onde os pobres e pretos do planeta,

Fossem vistos sem discriminação.

Ao invés do fuzil que mata e pesa,

Um rosário, um altar, o templo, a reza,

Com um não para a guerra e um sim pra paz,

Com espaços pra grandes e pequenos,

Todo mundo feliz sofrendo menos,

A palavra de Deus valendo mais.

II

No seu colo macio eu me deitava,

No batente da porta do chalé,

Qual criança manhosa eu cochilava,

Nos impulsos das mãos no cafuné,

Dez minutos depois adormecia,

Seu cuidado era tanto que eu nem via,

Quando ia pra rede nos seus braços,

Registrava-se ali mais uma cena,

Numa rede de saco tão pequena,

Que somente a senhora achava espaços.

11 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Destaque pontos relevantes da obra de Diniz Vitorino.

Papa – Diniz Vitorino Ferreira nasceu em Monteiro no ano de 1940. Se alguém me sugerisse escolher três cantadores da minha preferência Diniz faria parte da lista. Seus versos pluralizados e o denso conteúdo das suas estrofes são dignos de elogios infindos. Ouvir o poeta numa cantoria pé-de-parede era um dádiva, ler suas produções escritas é chegar no mais alto ponto do universo poético.

Do seu livro “Lírio do Canto”, retiramos os sonetos a seguir transcritos como leves gotas do dilúvio poético do filho de Monteiro.

UM CONSELHO DE PAI

Filho meu, nunca faças o que fiz

E o que fiz, não prures nem saber

Fita bem o meu semblante, que ele diz

O que sinto vergonha de dizer.

Não feri, não matei mais jamais quis

Ceifar vidas humanas pra viver

O meu mal foi cantar pra ser feliz,

Tendo dor pra corar até morrer.

Que loucura, meu filho, é ser poeta!

Fingir que é filósofo, que é profeta,

Sem reunir multidões, pregar a esmo…

Aos espaços mandar cantos fingidos,

Procurar consolar os oprimidos…

Quando o maior oprimido sou eu mesmo.

OS MASCARADOS

Novamente os palanques dos malditos

Estão erguidos com faixas coloridas.

E os dragões disfarçados de cabritos

Já estão solto em plenas avenidas.

Com acenos de mãos, gestos bonitos,

Formam frases mil vezes repetidas,

Revivendo em discursos mal escritos

Velhas mortas promessas esquecidas.

Com os punhos cerrados fazem gestos

Juram firmes que são bons e honestos,

Salvadores da pátria e dos patrícios.

Quando todos não am de tiranos

Leopardos sangrentos, desumanos

Comandantes dos nossos sacrifícios.

10 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre Dimas Batista o que temos de destaque?

Papa – Dimas Guedes Patriota, o Dimas Batista, nasceu em Umburanas, atual Itapetim no ano de 1921. Para muitos um dos grandes escultores de obras poéticas, sua robusta formação acadêmica expandiu a sensibilidade herdada no Pajeú. Lapidava cada com estrofe com a perfeição de um joalheiro persa.

É festejado na região do Jaguaribe, no Ceará, como intelectual e grande poeta. Do livro “Obras Poéticas”, publicado pela Companhia Editora de Pernambuco (CEPE), extraímos o soneto, intitulado “As três cruzes” e a décima improvisada em cantoria com Domingo Fonseca. A sextilha foi retirada do livro “Poetas Encantadores”, de Zé de Cazuza.

O Cordeiro de Deus Imaculado

Foi ao Monte Calvário conduzido,

Tendo, à esquerda, um ladrão obstinado;

E, à direita, um ladrão arrependido.

Um persiste no mal, é condenado

Outro zomba do mal, é redimido

É, com o extremo da vida em cada lado,

Agoniza e Messias Prometido.

Na cruz da esquerda o mal negreja

Na do lado direito o bem reluz

Na do centro há o amor que fez a igreja

Todos nós conduzimos um cruz

Permiti… Oh Senhor! Que a minha seja

A do lado direito de Jesus.

Assisti à tragédia do Dilúvio,

Contemplei todo incêndio de Sodoma,

Fui ministro do Césares, em Roma,

Penetrei nas crateras do Vesúvio;

Comovido, senti o doce eflúvio

Dos Sermões de Jesus na Galileia

Escavei as ruínas de Pompeia

Sondei todas as grutas netuninas

Tomei parte das lutas herculinas

Fui criado com o leite de Amalteia.

Deslumbrado em poesia

Faz muitos anos que venho

E nesta minha cabeça

Uns improvisos que tenho

Têm o cheiro do bagaço

Daquelas pátios de engenhos.

09 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Sobre Dedé Monteiro o que você nos diz?

Papa – José Rufino da Costa Neto – Dedé Monteiro, que nasceu na zona rural de Tabira (PE), é um poeta completo em todos os sentidos, sua magnifica obra não tem paralelo. Em seus livros encontramos belas, límpidas e puras imagens. O título de Patrimônio Vivo de Pernambuco é um reconhecimento merecido. Seu caráter e sua humildade são tão grandes quanto grande é seu legado poético.

Transitar pelas “veredas” da arte de Dedé Monteiro é marcar encontro com o que há mais perfeito. Os sonetos abaixo: “As quatro velas” e “Soneto da Revolta”, são para este cronista essências de poesia.

Quatro velas ardiam sobre a mesa, E falavam da vida e tudo o mais. A primeira, tristonha: “Eu sou a PAZ, Mas o mundo não quer me ver acesa…”.

A segunda, em soluços desiguais: “Sou a FÉ! Mas é triste a minha empresa: Nem de Deus se respeita a Realeza… Sou supérflua, meu fogo se desfaz…”.

A terceira sussurra, já sem cor: “Estou triste também, eu sou o AMOR… Mas perdi o fulgor como vocês…”.

Foi a vez da ESPERANÇA – a quarta vela: “Não desiste ninguém, que a vida é bela! E acendeu novamente as outras três!

Que culpa tenho de ser diferente Amar as artes porventura é crime? Tudo é mutável e o irreverente Não se acostuma com qualquer regime.

Contra a vontade rude e indiferente Eu sou amante do sagrado time. Que empresta a alma sofre, cria e sente E sente nojo do poder que oprime.

Aprendam isto: gente não se doma! Pichem meu nome rasguem meu diploma. Aceito tudo com tranquilidade.

Se acharem pouco, cubram-me de lodo, cortem meu riso, me excomunguem todo! Só não me toquem na dignidade.

08 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Hoje o poeta Cego Aderaldo chega ao nosso diálogo, fale-nos dele.

Papa – Aderaldo Ferreira de Araújo, o popular Cego Aderaldo, nasceu na cidade do Crato (CE), em 24.06.1878 e perdeu a visão quanto tinha em torno de dezoito anos. Isto não o impediu de, mesmo sem ter casado, adotar vinte e seis crianças, conforme narram muitos registros sobre sua vida. Antes de exercer a profissão de cantador de viola foi aprendiz de carpinteiro, empregado de hotel, e trabalhou numa forja de ferro. Este poeta tem seu nome ligado ao cordel “A peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho”, escrito na primeira metade da segunda década do século ado. Contudo, sua magnifica obra extrapola essa publicação.

Do livro do jornalista cultural Cláudio Portela, intitulado “Cego Aderaldo – A vasta visão de um cantador”, extraímos as estrofes abaixo. Com ela uma pequena parte do que produziu o poeta cearense.

A criança graciosa

Corre cortando o orvalho,

Depois se trepa em um galho;

Aonde colhe um rosa,

Acha a flor tão perfumosa

Encarnada como fita,

Corre para onde habita

A criança alegre vai

Atira o rosa no pai

Graça de filho é bonita.

Se é lagarta em forma de serpente

Quando vai caminhando um uma estrada

Mas, depois, metamorfoseada,

Ela toma porte diferente,

Cria asas e couro reluzente

Verdadeiro vislumbre de beleza

Nem arte, riqueza, nem dinheiro

Poderá pintar beleza igual.

Isto é lei do juízo universal

E impulso da mão da natureza.

Ah! se o ado voltasse

Que o visse o grande oceano

Revolto, forte, soberbo,

Tão portentoso e ufano,

Indomável, temeroso,

Como um sultão soberano.

Fugi como medo da seca

Do pesadelo voraz.

Que alarmou todo sertão

Da cidade aos arraiais.