07 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Hoje fale-nos sobre Cancão, poeta extraordinário.

Papa – O poeta João Batista de Siqueira – Cancão, nascido em 05.05.1912 no sítio Queimadas, em São José do Egito (PE), para este cronista estará sempre na parte mais alta da primeira prateleira dos poetas que conheci, ouvi e tive oportunidade de ler reiteradas vezes.

O conteúdo da sua imensa obra é destaque sob qualquer tipo de análise e a a exigência dos maiores críticos da arte de fazer versos. Poderíamos ar dias declamando estrofes do velho poeta egipsiense, mas como nosso propósito e expor fragmentos das obras de cada poeta permitam-me divulgar estrofes extraídas aleatoriamente do poema “Fenômenos da Noite”, inserido no livro “São José do Egito – Musa do Pajeú”, de Terezinha Costa.

O sol além, muito além

mergulha no horizonte

seu derradeiro raio

ainda ensanguenta o monte

as águas brancas parecem

terem saudade da fonte.

Torna-se a floresta densa

e mais escura a ramagem

as árvores belas escondem

seus galhos entre a folhagem

nesta hora mansa e meiga

dorme tranquila a paisagem…

Centenas de pirilampos

já se vê na amplidão

como uma porção de loucos

de lanterninhas na mão

iluminado o caminho

sem saber pra onde vão…

Lá no campo o cedro velho

só lhe resta um galho torto

solitário olhando o céu

parece pedir conforto

ao menos que o cupim

não coma seu tronco morto…

Vê-se fora da igreja

fumaças “esbranquicentas”

que vão alta no espaço

rolando lentas, bem lentas…

São elas fumos sagrados

Das chamas das velas bentas.

06 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Faça-nos um relato sobre Biu de Crisanto.

Papa – Severino Cordeiro de Sousa, no mundo da poesia conhecido como Biu de Crisanto, nasceu no município de São José do Egito, no Povoado São Vicente, em 1929. Destaco que a obra desse poeta deveria ser melhor reconhecida. Não entro em detalhes para não fugir do propósito desta coluna.

Segundo texto de Geraldo Palmeira, disponível na rede mundial de computadores, seu primeiro poema foi composto aos oito anos de idade sob o título “Vida na Roça”. Em vida escreveu o livro “Meu trigal” e deixou poesias para com composição do segundo título “Meu madrigal”. Após acidente ocorrido na cidade de Jacobina – BA, fato que o deixou impossibilitado de andar, ou a residir em sua terra natal onde por meio da poesia e da leitura tentou superar os obstáculos a ele impostos pela vida.

O décima a seguir espelha a situação atual no Brasil e no mundo, e foi extraído do poema “Fase semifeudal”:

…’“Libertas quae será tamem” Quem dissera, quem dissera, A frase existe entre nós Liberdade quem nos dera! De que vale independência! Onde não há consciência Moral nem patriotismo, Onde o Direito se vende! A Lei covarde se rende Aos pés do capitalismo…”’.

Fechamos essa breve agem pela vasta obra de Biu de Crisanto com o soneto “Dúvida”:

“Nasci! De onde vim é que não sei, Enfim, também não sei para que vim, Se vim para voltar para que fiquei, neste intervalo de incerteza assim? Não foi do pó fecundo que brotei, não sei quem tal missão me impôs a mim, O acaso não foi, já estudei… Desta incumbência desconheço o fim. Sou a metamorfose das moneras desagregadas nas primeiras eras, reunidas hoje nesta luta infinda. Sou a agem irreal da forma submetida aos desígnios da norma, do meu princípio não sei nada ainda”.

05 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Fale-nos sobre Antônio Nunes de França.

Papa – O poeta Antônio Nunes de França, uma das pessoas mais fidalga que conheci. Nasceu em Alexandria (RN) em 1938. Em conjunto com Juvenal Evangelista dos Santos formou uma das mais fantásticas duplas no mundo da cantoria em emissoras de rádio da região do Jaguaribe, no Ceará.

As estrofes abaixo, de Antônio Nunes de França, recebi do poeta e amigo Diomedes Mariano.

– Depois que o inverno veio,

Tudo ficou diferente,

O Sertão ficou mais frio,

Que antes estava quente,

Açude quebrou parede,

Que a terra também tem sede,

Do mesmo jeito da gente.

– Um meio século de vida,

O colega está vivendo,

Já subiu grande ladeira,

Fez um esforço estupendo,

Até aqui foi subindo,

Daqui pra frente é descendo.

– Quando chove no Sertão,

Um verde claro aparece,

Com poucos dias depois,

O verde claro escurece,

Que a natureza é quem sabe,

A cor que a folha merece.

O premiado poeta cearense Luís Gonzaga Maia me enviou as estrofes a seguir, de autoria de Antônio Nunes de França:

Esse Vale é um pedaço

Do Brasil de mil e quinhentos

E essa oiticica velha

Leva chuva esbarra ventos.

A testemunha ocular

De mil acontecimentos.

Eu observo o coqueiro

Que a natureza criou

A folha cresceu pra cima

Já o cacho pendurou

E o coco é cheio d’água

Sem saber por onde entro.

04 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Conte-nos algo sobre a obra de Antônio Pereira.

Papa – O poeta Antônio Pereira de Morais nasceu no sítio Mineiro, em Livramento (PB), em 1911. Traduzido no meio poético como aquele que melhor definiu, em belas estrofes, a palavra saudade. Assim fala sobre ele Terezinha Costa: “…conhecido como “Poeta da Saudade” porque dedicou a maior parte dos seus versos a falar sobre ela. E ninguém daria tão maravilhosas definições”.

Em seu livro “São José do Egito – A musa do Pajeú” a poetisa Terezinha Costa registra várias estrofes sobre o assunto saudade e classifica as duas primeiras como clássicas. Não há como discordar.

– Saudade é um parafuso

que dentro da rosca cai

só entra se for torcendo

porque batendo não vai

e quando enferruja dentro

pode quebrar que não sai.

– Quem quiser plantar saudade

primeiro escalde a semente

só plante na terra seca

onde bata o sol mais quente

pois se plantar no molhado

quando nascer nata gente.

Da mesma obra extraímos as seguintes pérolas:

“Saudade é como resina no amor de quem padece”

– Saudade é como resina

no amor de quem padece.

O pau que resina muito

não morre mais adoece

é como quem tem saudade

não morre mas não esquece.

– Saudade é como cobreiro

desses que dão na cintura.

Saudade é baioneta

no peito da criatura:

tocou no gume se corta

tocou na ponta se fura.

Luís Wilson nos traz em “Roteiro dos velhos cantadores e poetas populares do Sertão” esta filosofia poética, fora do tema preferido pelo poeta paraibano:

Nós somos as rosas que caem

Pra debaixo da roseira,

Quem chega pisa por cima

E tira as de cima e cheira

Que aquelas que estão no chão

Não acham mais quem as queiram.

03 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Hoje gostaria de saber algo sobre Antônio Marinho.

Papa – Sem dúvida os deuses do improviso sempre estiveram presentes na vida desse fenomenal cantador que nasceu em 1887 no Sítio Angico Torto, São José do Egito (PE), foi pai de Helena esposa de Lourival Batista. As transcrições abaixo, retiradas de livros consagrados indicam um minúsculo fragmento da obra desse gênio da cantoria.

De “São José do Egito – Musa do Pajeú”, de autoria de Terezinha Costa, retiramos a primeira estrofe sobre o pôr-do-sol e a segunda do poema o “País e a Roseira”:

– Morre o dia a noite surge

à hora do pôr-do-sol

soluçando a vaca muge

procurando outro arrebol.

É quando o poeta chora

recordando nessa hora

um dia dos dias seus.

E olhando pra velhice

saudoso da meninice

Envia à infância um adeus.

– O país é uma roseira

a pobreza é a raiz

no trabalho a primeira

na sorte a mais infeliz.

A haste é a escadaria

por onde a aristocracia

sobre degraus à vontade

deputados, senadores

desta roseira são flores

sem responsabilidade.

Do livro “Poetas Encantadores”, de Zé de Cazuza, extraímos:

– A umburana de cheiro

Para a pessoa que masca,

Se acaso tiver pigarro

Na garganta desenrasca,

Fazem santo do miolo

Eu melhorei com a casca.

Quando apareceu sapato

Pé de poeira calçou meia,

Pó de arroz, ruge e batom

Deram fim a moça feia,

O botão rápido acabou

Com costura de correia.

02 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Vamos começar o ano falando sobre Antônio de Catarina?

Papa – Iniciaremos em grande estilo, esse poeta deixa uma linda história no mundo da cantoria, onde é referência. Criou motes esplêndidos, a seguir transcrevo um dos maiores que conheço: “Na frieza da gruta o Deus menino/ Teve o bafo do boi por cobertor”. Aliado ao pleno domínio da poesia Antônio de Catarina defende a bandeira da boa conversa e do carnaval raiz.

As estrofes abaixo, extraídas do livro “Roteiro de velhos cantadores e poetas populares do Sertão”, de Luís Wilson. Os dois primeiros motes são de Manoel Filó e o último sem autoria indicada em referida obra. A eles:

O carão, esta ave tão perfeita,

Habitante das matas do Sertão,

Sentiu falta da chuva em seu rincão,

Ficou triste a sofrer como um poeta…

Sem cantar sua vida é incompleta,

O fantasma da seca lhe apavora,

Pesaroso partiu fora da hora,

Antevendo um futuro tão sombrio…

O CARÃO QUE CANTAVA EM MEU BAIXIO

TEVE MEDO DA SECA E FOI EMBORA.

Moxotó terra esquisita,

Do espinho de quipá,

Onde grita o carcará,

Onde a cascavel habita,

Onde o homem por desdita,

Se transforma num guerreiro,

A fim de arrancar dinheiro,

Desse solo calcinado…

O MOXOTÓ É COROADO

DE XIQUE-XIQUE E FACHEIRO.

Nunca foi à Capital,

Nunca tomou banho de praia,

Se maiô é uma saia,

Seu biquíni um avental,

O seu perfume é o sal,

Do suor de cada dia,

O seu banho é de bacia,

Numa beira de regato…

BEIJO DE MOÇA DO MATO

TEM GOSTO DE MELANCIA.

O lado de dentro do espelho

Por Maciel Melo

Do lado de fora do espelho, a essência de uma linda mulher que nem se diz Santa, nem tampouco meretriz. Do lado de dentro, o reflexo de um olhar frágil juntando os fragmentos do que sobrou de quase quarenta anos vividos entre o real e a fantasia.

Juntando os cacos espalhados pelo tempo, remendando os retalhos dos frustrados sentimentos que ainda lhe restam; está ali, prostrada diante do espelho betumando as brechas das rugas prematuras que o destino descuidadamente fez em sua face. Mas nada que lhe tire a singeleza e nem o brilho de sua sensualidade. As curvas, definidamente bem talhadas, fizeram meus olhos deslizarem na sinuosidade do seu corpo viajando na velocidade do primeiro pensamento que me veio à mente naquele instante.

Uma música suave, quase inaudível, um cheiro de perfume pelo ar, e duas taças sobre uma mesinha na cabeceira da cama, dão à entender que um bom vinho está pra ser aberto a qualquer momento. Nada como um bom vinho para assanhar a libido e atiçar a ternura entre dois lados opostos, porém, atraídos pelo magnetismo de um momento de prazer.

Aos poucos vão-se aninhando os pensamentos sob a melodia de um trompete que, pela digitação dos dedos aparenta ser de Miles Davis, ou Chat Becker, talvez. Não tenho certeza, afinal, isso é uma ficção baseada em um sonho que tive em uma noite de verão; mas se não for, não tem importância; a essa altura, já estávamos nus, balbuciando palavras obscenas e sussurrando coisas que até mesmo Deus duvida. E vão-se amiudando as diferenças no estender da madrugada, na bagunça dos lençóis, no ranger da cama, e no efeito do vinho que faz o mundo rodar, a gente adolescer, se agarrar e se espremer, até sair a última gota do sumo suado de uma noite inebriante cheia de tudo, pra se contar a miúdo, pra cometer absurdos e se perder nas entrelinhas da loucura e da razão.

Aí eu acordei, e quando dei fé, já era domingo!

Bom final de semana pra todos.

01 – NA SEXTA UMA CESTA DE VERSOS

Por Ademar Rafael Ferreira (Papa)

Ade Maleu Lapa-el – Neste ano de 2023 o que iremos dizer às leitoras e aos leitores nas manhãs do “sextou”?

Papa – Chegamos ao quinto ano da nossa série semanal. Nas manhãs de cada sexta-feira com a leveza que carecemos neste tempo de notícias, fatos e atos que pesam toneladas, nada melhor do que falarmos em poesia. Assim será. Em nosso “sextou” iremos trazer um pouco da inesgotável obra de poetisas e de poetas da nossa região.

Tudo parte do propósito de informar com prazer e gerar felicidade para quem nos ler. A origem nasceu com esta trova: “Pra não ouvir o remorso/ Sussurrando ao meu redor/ Eu faço tudo e me esforço/ Para o mundo ser melhor”. No último verso está o real objetivo do nosso diálogo semanal.

Sem ordem de preferência ou escala de grandeza desfilarão as poetisas e os poetas com registro de estrofes da sua autoria extraídas de livros sobre o tema ou de relatos de apologistas. As fontes consultadas serão indicadas nos textos, para dar o crédito merecido aos escritores e declamadores que propagam a história de contadores e poetas de bancada.

Sabemos que pelo reduzido espaço que dispomos e para que sirva somente de um aperitivo poético a pincelada que será dada significará apenas um traço do quadro pintado pelos artistas das rimas.

A escolha das poetisas e dos poetas se deu em processo que tentou ser abrangente. Nomes conhecidos serão misturados a poetas quase anônimos. Deste universo extrairemos o caldo cultural pretendido. Antes das estrofes faremos breves comentários sobre cada personagem.

Este espaço de forma competente, por meio do seu titular, já cuida das notícias diárias. O nosso direcionamento visa jogarmos a poesia como alimento da alma. A sensibilidade das leitoras e dos leitores farão com que as mensagens poéticas permaneçam com cada um. Leiam e divulguem. Feliz ano novo. Viva a poesia.