O Globo
Em meio ao aumento das mortes em acidentes aéreos neste ano, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável por fiscalizar todo o setor, desde profissionais às aeronaves e infraestrutura, tem quase um terço dos cargos de seu quadro vagos. Atualmente, apenas 1.237 cargos dos 1.755 previstos estão preenchidos, e a agência vem pleiteando junto ao governo federal a autorização para novas nomeações e mais concursos públicos.
As mortes bateram recorde em 2024. No dia 25, duas vítimas foram confirmadas no caso do avião de pequeno porte que caiu em Manicoré (AM), na floresta amazônica. Com isso, já são 150 vítimas no ano, aumento de 95% em relação a 2023, maior variação na série histórica do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea Brasileira (FAB).
Além do déficit de 518 servidores — 29,5% do quadro previsto — a Anac ou por uma recente “reestruturação organizacional”, como ela mesma definiu. Um dos setores impactados foi o da aeronavegabilidade continuada, responsável pela manutenção, e que supervisiona empresas, aviões e oficinas.
Ex-engenheiro que fazia parte do departamento, Henri Salvatore diz que, com isso, a agência perdeu presença no setor, o que afeta a fiscalização das cerca de 600 oficinas que existem no país. Já a Anac respondeu que as alterações não resultaram em perda de capacidade operacional.
Programas paralisados
As mudanças começaram a partir da pandemia, em 2020. Naquela época, 4,1% dos comissionados da Anac participavam da aeronavegabilidade continuada, porcentagem que caiu quase à metade, para 2,4%. Eram 19 os gerentes e líderes do grupo desse departamento, número reduzido para 11. Um nível hierárquico, de gerência, foi suprimido.
Uma motivação para a reestruturação organizacional seria a necessidade de fortalecer a área de emissão de licenças da Anac, que vinha sofrendo queixas de pilotos sobre lentidão e ineficiência.
Como resultado, alguns programas foram paralisados, como o Sistema de Gestão de Segurança Operacional Para Todos, um que mostrava quantos serviços de manutenção eram refeitos nos aviões.
— A área de aeronavegabilidade continuada é muito importante porque é ela que supervisiona as oficinas de manutenção aeronáutica e garante o cumprimento dos requisitos de segurança, diz Salvatore, ao destacar que 90% do trabalho precisa ser em campo. — Temos oficinas certificadas por todo Brasil, por isso a supervisão dessas empresas deve ser realizada com grande presença, constantemente e sem interrupção.
A fiscalização acontece por amostragem e, quando se constata mais de uma aeronave com problema numa mesma empresa, a companhia é auditada. As linhas aéreas normalmente possuem oficinas próprias, diz Salvatore, mas muitas peças, como motores, costumam ser enviadas para oficinas independentes.
O avião da Voe, que caiu em agosto, matando 62 pessoas, possuía problemas técnicos envolvendo manutenção. Relatórios de um sistema interno da empresa, aos quais O Globo teve o, mostraram que o sistema de degelo da aeronave esteve inoperante em pelo menos seis ocasiões no ano ado. O Cenipa segue investigando a possível relação do sistema com o acidente.
— A falta de profissionais acaba esticando a corda para todo mundo que trabalha na agência, porque eles têm que dar conta de tocar do jeito que está, afirma Lucas Fogaça, coordenador de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS.
Outro lado
A Anac informou que “todos os servidores envolvidos no processo de certificação e fiscalização da aeronavegabilidade continuada foram mantidos na nova estrutura”, alterada para proporcionar “uma supervisão mais integrada e holística das atividades, bem como uma melhor comunicação entre as áreas”.
Sobre o déficit no quadro, a agência diz que 69 servidores foram incrementados neste mês e que foi solicitada autorização para nomear 25% dos excedentes do último concurso público e para realizar nova seleção para 256 vagas em 2025.