Embate Lira x Renan preocupa governo e pode gerar tempestade política

ESTADO DE ALERTA - Renan e Lira: o senador e o deputado reforçam seus arsenais para enfrentar I

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No fim do ano ado, Lula convidou o deputado Arthur Lira (PP-­AL), presidente da Câmara, e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) para uma reunião no Palácio do Planalto. Os dois são adversários políticos, disputam poder em Alagoas e, há muito, medem forças nos bastidores do Congresso. O objetivo do presidente era intermediar uma trégua para evitar o que promete se transformar em uma guerra entre eles, a instalação da I que vai investigar a Braskem, a empresa responsável por um acidente ambiental que afetou a vida de 200 000 moradores de Maceió. Sem rodeios, o presidente disse que tinha recebido um pedido do empresário Emílio Odebrecht, ou, nas palavras dele, “do meu amigo Emílio Odebrecht”, que estaria muito preocupado. Emílio é herdeiro da antiga Odebrecht, rebatizada de Novonor, acionista majoritária da Braskem, suas relações pessoais com Lula são bastante conhecidas, mas ainda assim os convidados se surpreenderam com a declaração. Há alguns anos, um pedido de Emílio Odebrecht, então dono da maior empreiteira do país, era praticamente uma ordem.

Um dia depois da reunião, no entanto, a I foi instalada. Autor do requerimento de criação, Renan Calheiros está irredutível. Não aceita sugestões, não ouve as ponderações dos colegas e, apesar do apelo do presidente, de quem se diz um fiel aliado, insiste em iniciar os trabalhos da comissão na primeira semana de fevereiro, quando termina o recesso parlamentar. As investigações, em princípio, teriam o objetivo de dimensionar a responsabilidade da empresa que, por décadas, minerou em um terreno que afundou e teve de ser evacuado. Em princípio porque o plano do senador vai muito além desse ponto. Ele diz que as autoridades do município foram omissas, acusa a prefeitura de ter patrocinado um acordo prejudicial aos moradores, deixa nas entrelinhas a suspeita de que o processo foi permeado por graves irregularidades, não descarta a hipótese de corrupção e, embora não fale abertamente, também não esconde que seu alvo principal é Arthur Lira.

O senador está se preparando para o confronto. Já acionou o Tribunal de Contas da União, o Conselho Nacional de Justiça, a Comissão de Valores Mobiliários, o Conselho Nacional do Ministério Público e diferentes instâncias judiciais para fazerem um pente-fino no acordo de indenização celebrado entre a Braskem e a prefeitura de Maceió, atualmente ocupada por João Henrique Caldas, aliado de Lira. O senador também destacou uma equipe própria de assessores para vasculhar contratos, listas de fornecedores, prestadores de serviço da petroquímica e indicações políticas do desafeto em Alagoas. Ele suspeita que advogados ligados ao presidente da Câmara atuaram nos processos que fixaram os porcentuais de indenização ao município. Também mira a compra de um hospital feita pela prefeitura, sem licitação. Uma terceira frente de prospecção envolve a busca por supostas irregularidades no patrimônio de Arthur Lira.

Embora ressalte sempre que a I é uma questão que cabe exclusivamente ao Senado, Lira também tem buscado reforçar o próprio arsenal. Ele suspeita que o senador está usando o drama dos moradores de Maceió como biombo para esconder interesses comerciais de um grupo que quer adquirir uma parte da Braskem — um negócio que está em andamento e envolve valores na casa dos 10 bilhões de reais. A I pode provocar a desvalorização das ações da mineradora, beneficiando eventuais interessados no negócio. Outro ponto que tem merecido uma atenção especial do presidente da Câmara é o processo judicial que envolve o ministro dos Transportes, Renan Filho, dono de um prédio na área atingida pelo desastre. Em um acordo com a Braskem, o primogênito do senador foi indenizado em 4 milhões de reais. “É muito dinheiro para um prediozinho mequetrefe”, disse Lira a um aliado. Apoiadores do deputado também foram orientados a vasculhar alguns contratos assinados pelo ministro dos Transportes. No ano ado, a pasta investiu 14 bilhões de reais em obras.

O embate entre Renan e Lira tem raízes e objetivos paroquiais. O prefeito de Maceió, apontado pelo senador como omisso, é o franco favorito à reeleição em outubro. Lira e Renan também disputarão uma vaga no Senado em 2026. Renan Filho tem planos de voltar ao governo de Alagoas em 2026, posto que ocupou entre 2015 e 2022. A rusga, porém, há muito transcendeu as fronteiras do estado. No início do governo Lula, a discussão entre os dois sobre o rito de tramitação das medidas provisórias por pouco não paralisou o Congresso. Lira não aceitava o modelo defendido por Renan, que tentava mitigar o poder do presidente da Câmara. Superado o problema, veio o próximo: a briga por espaço na Esplanada. Aliados reverberavam que Lira, o parlamentar mais importante do Congresso, não aceitaria ficar sem um ministério, enquanto o arqui-inimigo tinha colocado o filho numa das pastas mais vistosas da istração. A dupla ainda protagonizou disputas que envolveram desde o comando da I do 8 de Janeiro à indicação de cargos em órgãos federais.