Especialistas criticam burocracia e avisos dúbios de alguns municípios brasileiros sobre vacinação infantil

Vacinação de crianças em Salvador, onde pais devem  um termo de assentimento para que os filhos possam ser imunizados Foto: Agência O Globo/15-01-2022

Mesmo diante da alta dos casos de Covid entre crianças e da maior exposição aos riscos oferecida pela volta às aulas, alguns municípios brasileiros têm criado obstáculos para a vacinação infantil. A exigência de termos de consentimento dos pais, praticada em algumas cidades e sem precedentes no programa brasileiro de imunização, é vista como desnecessária e danosa por especialistas.

Secretarias municipais de Saúde como as de Lagoa Santa (MG), Japeri (RJ), ou até a capital baiana, Salvador, exigem algum termo de responsabilidade dos pais, mesmo eles estando presentes no momento da imunização. Além disso, o próprio Ministério da Saúde publicou recomendação para que as famílias procurem médicos antes da encaminhar os filhos à vacinação.

— O problema é que isso gera dúvida sobre a vacinação em alguns pais. Eles ficam receosos, acabam hesitando, não preenchem e não vacinam. Além disso, atrasa a fila, burocratiza o processo. E uma das maneiras de dificultar alguma coisa é, justamente, criar dúvidas e burocracias, afirma o infectologista e pediatra Filipe da Veiga.

Em Salvador, é exigida a de um “formulário com ‘termo de assentimento dos pais’”. Caso não sejam conduzidas pelo pai e mãe, as crianças devem chegar aos postos vacinação com o termo “preenchido, com , e impresso, mais uma cópia do documento de pai e mãe que assinou o formulário”.

Já no site de Lagoa Santa, entre os documentos solicitados, a informação é que “é necessário que o responsável legal assine o termo de consentimento para a imunização disponível nas salas de vacinação”. Procurada, a Secretaria de Saúde da cidade informou que o termo de autorização é solicitado quando o responsável está ausente no momento da vacinação e, para os presentes, “é necessário somente a concordância com a vacinação da criança”.

Medida inédita

Mesmo a exigência de uma autorização quando a criança for levada por uma pessoa que não é seu responsável legal é alvo de críticas. A epidemiologista Carla Domingues, que coordenou o Programa Nacional de Imunizações (PNI) de 2011 a 2019, afirma que essa exigência nunca foi feita para outras vacinas dadas a essa faixa etária.

— [A exigência de consentimento por escrito] é descabida, a própria nota do ministério voltou atrás e hoje diz que só há exigência se for levada por outras pessoas e, mesmo assim, isso nunca aconteceu e não deveria ser cobrado. Quantas vezes a gente viu vizinhos, um parente aposentado, madrinha, babá, levarem as crianças para serem vacinadas? Sempre foi assim. Se alguém está levando é porque o pai, que pode estar trabalhando, autorizou. É só para dificultar e retardar o processo avalia Domingues.

Apesar de a maioria dos participantes de uma consulta pública realizada para a sociedade civil no fim do ano ado ter se posicionado de forma contrária à exigência de prescrição médica para imunização de crianças, o Ministério da Saúde continua sugerindo a necessidade de uma orientação médica.

Em notícia do próprio órgão, publicada em 26 de janeiro, o texto afirma que “a orientação da pasta é que os pais ou responsáveis por suas crianças procurem a recomendação de um médico antes da imunização”.