Assim que as chamas começaram a avançar sobre ao que, inicialmente, estima-se mais de 30 palafitas fincadas na maré da bacia do rio Pina, no bairro homônimo da Zona Sul do Recife, os moradores não pensavam outra coisa: “Eu poderia não estar aqui”. A afirmativa expressa o medo de quem sentia a pele esquentar diante do fogo, mas também trazia ao imaginário delas, pobres, que o Recife não tem sido uma cidade capaz de garantir-lhes moradia digna.
As palafitas da comunidade Pontes (Beco do Sururu) são o cartão de visita para quem chega a um dos bairros com o metro quadrado mais caro da cidade. Quem as vê sabe que casa não é para todos, e a ação do poder público é fundamental para garantir um teto a quem precisa. Por décadas, o Recife não tem sido eficaz nesse quesito, mas a falta de solução do ado, tornou-se mais latente agora.
Na capital pernambucana, em suma, moradia popular só existe com recursos do governo federal – que entrega a conta gotas. O dinheiro chega aos poucos, é sabido. Mas a responsabilidade do executivo local em criar alternativas dificilmente é assumida. O que deixa a população no meio de um cabo de guerra que resulta nas moradias improvisadas enquanto o tempo de espera só aumenta.
Atualmente estão em construção quatro conjuntos habitacionais na cidade, com um total de 1.528 unidades habitacionais (UHs): Habitacional Encanta Moça I e II (Bode) – 600 UHs; Habitacional Vila Brasil I (Joana Bezerra) – 128 UHs, Habitacional Vila Brasil II – 320 UHs (Joana Bezerra), Pilar (Bairro do Recife) – 256 UHs – e Sérgio Loreto (São José) – 224 UHs.
Os projetos não são de agora. Arrastam-se a, no mínimo, mais de oito anos e são a resposta para quem não entende o porquê de se morar numa palafita, especificamente as da comunidade Pontes. Quem mora à beira do rio, entre as pontes Paulo Guerra e Engenheiro Antônio de Goes, em sua maioria está lá porque ainda espera a entrega dos habitacionais do Encanta Moça, ou, pior que isso, são o “resto” da fila de espera dos habitacionais construídos em Brasília Teimosa, comunidade vizinha, que, por tamanha demora de serem entregues, já precisavam dar conta dos números do déficit habitacional que cresciam numa velocidade bem maior do que as entregas.
“Eu digo que isso aqui é culpa do governo. Os apartamentos já estão prontos, fica aquela ladainha, vai a comunidade tal, vai a comunidade tal, e ninguém sai do lugar. Agora a pessoa perdeu o pouco que tem”, lamentou aos prantos a moradora Joanita Maria da Costa, 58 anos, que, desempregada, na hora do incêndio, panfletava em ruas próximas.