Inflação dos alimentos desafina governo Lula no Carnaval da desaprovação recorde

NO SUPERMERCADO - Legumes à venda: diversos itens da cesta básica tiveram forte alta no ano ado

VEJA

Ninguém sabe ao certo se Maria Antonieta, rainha e mulher de Luís XVI, de fato pronunciou a célebre frase “que comam brioches”. O que se sabe é que a declaração, atribuída à arquiduquesa austríaca, tornou-se símbolo de uma solução descabida para a fome que assolava a França do século XVIII. Naquele momento, a monarquia enfrentava a revolta de uma população indignada com a disparada do preço do pão, o alimento mais básico do país. Guardadas as devidas proporções, os brioches de Maria Antonieta evocam uma recente declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil do século XXI. Durante um evento no Amapá, há uma semana, o presidente comentou, enquanto defendia o direito de os brasileiros se alimentarem bem: “Eu estou comendo agora ovo de pata, que tem mais sustância, e ovo de ema, que equivale a doze ovos de galinha”. A fala era uma referência às setenta emas que habitam o Palácio da Alvorada e estava no contexto da disparada do preço dos ovos. No atacado, o preço da dúzia subiu mais de 60% em apenas um mês, e não há sinais de que o avanço chegou ao limite. Enquanto o presidente encara a situação com declarações desastradas, as pesquisas recentes mostram que é majoritário entre a população o desconforto com a inflação dos alimentos. Esse sentimento se refletiu na expressiva queda de popularidade de Lula nas sondagens mais recentes, algo que pode comprometer seus planos para a reeleição.

Os ovos se tornaram o novo símbolo da inflação dos alimentos, mas outros itens alimentares também registram uma grande escalada de preços, fator que tem um peso preponderante no custo de vida no país. Nos últimos doze meses, o custo do café subiu 60%. No óleo de soja, a alta foi de 25%. A carne encareceu 21%, apesar da promessa do presidente de que, em seu governo, todo brasileiro comeria picanha. Atualmente, a inflação do supermercado está rodando acima dos 7% anuais, de acordo com os dados do IPCA, o indicador oficial de preços.

Desde o início de 2020 — período que incluiu uma pandemia, duas novas guerras no mundo, falta de insumos nas indústrias e desvalorização cambial —, a inflação dos alimentos no Brasil acelerou impressionantes 56%. Durante o mesmo intervalo, o rendimento médio da população, hoje de 3 400 reais, aumentou 42%. Quer dizer: sobra menos dinheiro agora do que há cinco anos. Não à toa, os gastos da família brasileira com alimentação mudaram de nível: saíram de 16% do orçamento nos anos 2000 para perto dos 20% de 2020 em diante, de acordo com números do Índice de Preços dos Gastos Familiares, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. “A situação tira o conforto das pessoas”, diz André Braz, coordenador dos índices de preços da FGV. “A classe média enxuga outros serviços, como os eios ou o plano de saúde, e as classes mais baixas, que não têm o que cortar, começam a comer pior”.

É por isso que a inflação, em especial a dos alimentos, costuma abalar governos como nenhum outro fator. O impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, se deu na última grande crise inflacionária brasileira antes da pandemia, quando a inflação dos alimentos beirou os 15% ao ano. Foram poucos os presidentes que conseguiram a reeleição desde o estouro da crise da covid-19, enquanto a alta de preços corria solta no mundo. Saíram derrotados dos pleitos presidenciais Donald Trump, ainda em 2020, Jair Bolsonaro, que perdeu para Lula em 2022, e Joe Biden, substituído pelo próprio Trump nas eleições americanas do ano ado.

No Brasil de Lula 3, o mau humor da população com o encarecimento da comida é evidente. A confiança do consumidor, um indicador da percepção das pessoas sobre a economia medido pela FGV, declinou 11% desde novembro, na queda mais aguda desde o auge da pandemia. A aprovação de Lula caiu na mesma velocidade: as avaliações positivas do presidente tombaram de 35% para 24% apenas entre dezembro e janeiro, conforme mostrou o Datafolha. É o índice mais baixo já registrado por Lula em todos os seus mandatos. No Nordeste, o mais tradicional reduto do petista, a queda foi ainda maior, de 49% para 33%. A nova pesquisa Genial/Quaest, divulgada na quarta-feira 26, apontou que o nível de reprovação do governo chegou a pelo menos 50% em oito estados — incluindo Pernambuco e Bahia, onde Lula havia ganhado em 2022. Na mesma pesquisa, mais de 90% dos entrevistados responderam que o preço dos alimentos subiu no último mês.

Foi justamente por isso que Lula colocou a comida no centro das decisões. O presidente prometeu fazer “o que for necessário” para baixar os preços, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, chegou a anunciar um “conjunto de intervenções” para o setor. Eles asseguraram que não haverá “congelamentos” nem “medidas heterodoxas”. A agenda do Planalto tem incluído reuniões com o empresariado, e as medidas já aventadas, embora nenhuma delas ainda tenha sido implementada, am por mais crédito aos produtores, redução de imposto nas importações e até revisão do vale-alimentação. “A inflação pode não ser o único vilão, mas é certamente o mais visível”, diz Murillo de Aragão, presidente da consultoria política Arko Advice, em Brasília, e colunista de VEJA. “Isso causa uma irritação muito grande, ainda mais no Brasil, onde o consumo e o poder de compra são quase uma forma de cidadania”.