A judicialização do incentivo regional dado através da aplicação de bônus às notas do Enem, por meio de critérios estabelecidos pelas próprias universidades, pode mexer com o resultado do Sistema de Seleção Unificada 2023 (Sisu) inteiro e tem gerado apreensão por parte dos alunos e críticas de professores.
Em Pernambuco, os bônus concedidos pela UFPE para o curso de Medicina no Recife e também pela UPE para Medicina, Direito e Odontologia foram parar em tribunais, diante de ações populares na Justiça Federal e no Tribunal de Justiça.
Apesar de no caso da UFPE, o Tribunal Regional Federal ter garantido a aplicação do bônus de 5% a estudantes pernambucanos que tentam vagas do curso de Medicina no Recife, o caso suscitou uma nova ação, na reta final do Sisu, com decisão na justiça comum pela suspensão do bônus de 10% para estudantes de todo o Estado.
“Se é inconstitucional, se não é isonômico, isso tem que ser decidido para o próximo processo e não para esse. É um equívoco alguém dar continuidade a um pedido completamente fora do contexto. As pessoas não conhecem como funciona o Sisu e simplesmente acatam uma demanda. Agora vai ter que parar o Sisu inteiro”, diz o professor Marcello Menezes.
Ele reforça que não vê saída para resolver a questão, no meio do processo seletivo, sem causar um grande dano a todo o sistema.
“Não tem como agora resolver tirando bônus de uma universidade ou de um candidato que esteja concorrendo. Amanhã encerra o Sisu, não pode ficar sob ordem judicial, porque a classificação sai na terça-feira (28), então imagine a demanda de causas na Justiça de pessoas que agora não estão mais classificadas porque não existe mais o bônus”, alerta.
Na Justiça do Estado, a mais recente decisão suspendeu, nessa quinta-feira (23), a aplicação de qualquer bônus regional por parte da Universidade de Pernambuco. No caso da UPE, o bônus é aplicado para os cursos de Medicina, Direito e Odontologia, para as graduações ministradas no Recife, podendo ser requerido por qualquer jovem que estudou e mora na capital, na Região Metropolitana ou na Zona da Mata.
Em Garanhuns, onde a UPE tem curso de medicina, o bônus é concedido a quem estudou e reside no Agreste do Estado.
Para medicina de Serra Talhada e os cursos de odontologia e direito ofertados em Arcoverde, a UPE destina a bonificação aos jovens que fizeram o ensino médio no Sertão pernambucano e residem na região.
A professora Fernanda Pessoa lembra que as próprias universidades têm reduzido, à medida que garantem maior número de vagas preenchidas por estudantes locais, os percentuais de bonificação na nota do Enem, mas reforça a necessidade de manutenção do instrumento para garantir que os recursos dispensados com as universidades locais sejam transferidos para a própria região por meio da formação de estudantes que irão se voltar para a atuação no próprio estado.
“Qual é o fundamento de quem entra com um recurso, com uma ação como essa? Porque o que a gente percebe é que os estudantes do Brasil todo tem nas suas federais já um tipo de bonificação. Aqui (em Pernambuco) chegou um tempo em que nós tínhamos mais de 70% de Medicina da Federal composto por pessoas de Minas Gerais e São Paulo. A gente fez uma análise com as pessoas que eram representantes de turma, e essas pessoas diziam no questionário que a ideia era que os estudantes se formassem e voltassem para suas cidades”, aponta.
“É verba pública que vem destinada para a Federal de Pernambuco, para gerar desenvolvimento de pesquisa profissional de qualidade para Pernambuco. É uma verba de Pernambuco. Esse estudante fica aqui e de repente essa verba não volta para cá, porque é uma pessoa que quando se forma vai para o seu estado de origem, então eu sou muito a favor da bonificação regional e digo mais, em todos os lugares do País em todas as faculdades do país, federais e estaduais”, esclarece.
Bônus do Enem em Pernambuco
O bônus regional tem sido aplicado por universidades de todo o País para garantir que haja uma prevalência ou pelo menos uma quantidade mínima de estudantes locais nos cursos oferecidos, já que com o Sisu, estudantes de todo o País concorrem às mesmas vagas, sem restrição geográfica.
Em Pernambuco, de acordo com dados da UFPE, antes da aplicação do bônus, apenas 46% do total de vagas do curso de Medicina na capital, por exemplo, eram preenchidas por vestibulandos pernambucanos.
“Isso é uma tragédia (suspensão da aplicação do bônus). Poderia dizer que é uma tragédia social. Isso é inaceitável, por qualquer ser humano normal que conhece minimamente as leis do seu País. Veja que a UFPE há algum tempo atrás tinha bônus de 10%. No ano seguinte, baixou para 7% e depois caiu para 5%. Agora querem retirar. E aí a UPE vai na mesma trilha. Nós, enquanto sociedade, não podemos nos calar, como professores, muito menos. Isso é um absurdo”, desabafa o professor Vieira Filho.