Lula muda marco do saneamento: veja os pontos mais polêmicos dos decretos para o setor

O vice-presidente, Geraldo Alckmin, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, durante reunião de balanço de 100 dias de governo, no Palácio do Planalto

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou dois decretos que alteram o marco legal do saneamento básico, aprovado em 2020, com o objetivo de, segundo o governo, atrair a iniciativa privada para sanar a falta de investimentos no setor. Lula pediu um “voto de confiança” às empresas públicas.

Os decretos, porém, trazem dois pontos considerados polêmicos por especialistas: a possibilidade de empresas estaduais prestarem o serviço em áreas metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões sem necessidade de licitação, e a permissão para a regularização de contratos precários.

Uma das principais inovações do marco regulatório como aprovado em 2020 era forçar as companhias estaduais deficitárias a organizarem as contas e comprovarem capacidade financeira de fazer os investimentos necessários para ampliação do o da população à água potável e tratamento de esgoto, visando à meta de universalização do o em 2033.

Em caso de falta de capacidade, as companhias teriam obrigatoriamente que abrir licitação ou firmar Parceiras-Público Privadas (PPPs) para assegurar serviço, sob pena de não ter o a recursos públicos.

Um dos decretos editados por Lula flexibiliza os critérios a serem adotados nessa análise, que já foi realizada pelas companhias nos últimos dois anos e permite que elas refaçam o processo até 31 de dezembro de 2023.

Ficará a cargo das agências reguladoras estaduais aprovar a revisão dos dados da capacidade financeira e um planejamento a ser adotado pelas companhias, com metas intermediárias de investimentos para os próximos anos. As agências terão até março de 2024 para aprovar os documentos.

O texto autoriza também a regularização dos contratos que estavam precários quando o novo marco foi publicado em 2020. Nestes casos, a prestação deverá ser regularizada “junto ao titular ou à estrutura de prestação regionalizada”, até 31 de dezembro de 2025.

Contratos sem licitação

O segundo decreto abre brecha para a prestação regionalizada dos serviços pelas companhias estaduais nas regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas, sem necessidade de licitação. A companhia estadual da Paraíba, Cagepa, inovou nesse processo e o caso está sendo discutido judicialmente.

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O governo incluiu ainda, em um dos decretos que altera o marco do saneamento, um mecanismo para estimular leilões que adotem como critério de seleção o menor preço de tarifa. O texto diz ainda que a alocação de recursos da União e de financiamentos de órgãos federais deverá priorizar projetos cujas licitações adotem como critério de seleção esse da modicidade tarifária e a antecipação da universalização do serviço público de saneamento, cuja previsão é 2033.

Outra medida é a derrubada da exigência de participação de 25% pelo poder público nas PPPs. Agora, as companhias podem firmar parcerias totalmente privadas.

Reserva de mercado

Para o economista Gesner de Oliveira, da Go Associados, ao desobrigar a realização de licitação, as novas regras garantem uma reserva de mercado a quem não tem condições financeiras de fazer investimentos, penalizando quem não tem o ao saneamento.

Para o especialista em infraestrutura, Claudio Frischtak, as alterações “dissolvem o marco do saneamento”. Ele acredita ainda que a medida possa ser derrubada pelo Judiciário.

O principal problema é a possibilidade de prestação do serviço pelas companhias estaduais em áreas metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, sem licitação, sem concorrência. Dessa forma, você assegura uma reserva de mercado a quem não tem condições de prestar o serviço e penaliza principalmente os mais pobres, disse Gesner.

Isso destrói o marco regulatório do saneamento e representa um enorme retrocesso. É inacreditável que um governo que se diz popular vai contra o interesse público para atender interesses de empresas e de alguns governadores, acrescentou Frischtak.