O maior evento religioso e profano do Sertão Nordestino, a Missa do Vaqueiro de Serrita, retorna neste final de semana após dois anos sem realização por conta da pandemia. A 52ª edição, no entanto, está cercada de polêmicas.
Existem diversas discordâncias entre a Fundação João Câncio, representada por Helena Câncio, viúva do fundador do evento, e a Prefeitura de Serrita, que realiza o evento presencial pela primeira vez em convênio com a Empetur, do Governo de Pernambuco.
Entre os motivos do desentendimento estão a cessão e uso do Parque Estadual João Câncio, que recebe o evento, o modelo da festa e até mesmo as verbas destinadas pela Empetur.
Viúva alega falta de comunicação e pagamento
A Fundação, que organiza a Missa desde 2001, afirma que a Prefeitura decidiu tomar para si, unilateralmente, a realização do evento. Helena Câncio afirma que teve de conseguir uma liminar que lhe deu o direito de integrar a sua programação artística (oriunda de emenda parlamentar) à grade da Prefeitura.
A Missa do Vaqueiro já tinha a realização de shows em paralelo ao rito religioso, mas nunca na proporção da edição de 2022. A programação conta com quatro dias de shows, incluindo nomes como Wesley Safadão, João Gomes, Limão com Mel, Tierry, Raí Saia Rodada e Cavaleiros do Forró – num modelo que lembra as grandes festas de São João do interior.
A grade foi custeada com uma verba do convênio celebrado entre o Governo do Estado com a Prefeitura de Serrita, que gira em torno de R$ 2 milhões. Também contou com a emenda parlamentar do deputado Fábio Carneiro – que cobriu em torno de sete cachês, informa a gestão de Serrita.
O governo estadual também cedeu o Parque Estadual João Câncio, onde é realizado o evento, para a Prefeitura de Serrita em uma concessão de 10 anos.
“O Parque é do Estado hoje pois era uma vontade de João Câncio e de Luiz Gonzaga de que esse pedaço de terra fosse desmembrado da fazenda. Fomos pegos de surpresa com um comodato ao município, sem nós termos sido consultados”, diz Helena Câncio.
“Entendo que, pelo trabalho que temos, do legado de João Câncio e de Luiz Gonzaga, era para nós sermos ouvidos. A gente leva esse trabalho há 20 anos, mas eles fizeram absolutamente tudo sem nos consultar”, reclama.
Helena diz que, até a pandemia chegar, a Fundação tinha um convênio de R$ 500 mil com o governo para custear o evento. O valor da edição de 2019, no entanto, ainda não teria sido pago. “Agora foi liberado, segundo eu li, cerca de R$ 2 milhões para arrumar o parque e para contratar a grade artística”.
Para além de questões financeiras e do uso do Parque, existe uma visão antagônica sobre o próprio modelo da festa. Helena acredita que o foco da Missa do Vaqueiro deveria ser o rito religioso, e não atrações nacionais.
“Em nenhum momento se ventilou sobre a missa, que é o ponto maior do evento. Não são os shows, os artistas grandiosos de nome nacional que fazem a Missa do Vaqueiro. O maior protagonista é o vaqueiro, o homem do campo. É para isso que o evento existe”, opina.
“Acho que a cultura não é algo do município, nem minha. Não é de ninguém. Ela pertence ao povo, sendo inegociável. Ela não foi junto com esse comodato. Quem fez o primeiro resgate dessa tradicionalidade foi João Câncio, com quem fui casada”.
A Missa do Vaqueiro foi criada na década de 1970, quando João Câncio liderou a realização do rito para homenagear um vaqueiro assassinado misteriosamente cinco anos atrás. O vaqueiro, Raimundo Jacó, coincidentemente era primo de Luiz Gonzaga.
Comovido pela morte do parente, o músico da cidade de Exu financiou as primeiras edições da missa e foi um dos responsáveis pelo seu apelo midiático.
O que diz a Empetur sobre o convênio com a Prefeitura de Serrita
Procurada, a Empetur esclareceu que “aguarda a conclusão da prestação de contas pela associação responsável pela realização da Missa do Vaqueiro em 2019 para que seja efetuado o pagamento do convênio”.
“O atraso na entrega de documentos e notas fiscais da época da realização do evento é o principal entrave para que seja efetuado o pagamento e também para que seja firmado novo convênio para a edição de 2022”, diz a nota.
“A Empetur reconhece e reitera a importância da Missa do Vaqueiro para a cultura e o turismo de Pernambuco e, por este motivo, firmará convênio com a Prefeitura Municipal de Serrita para a realização da tradicional festa, que atrai visitantes de todo o Brasil”.
Helena Câncio diz que a prestação de contas não foi feita pela falta de pagamento. “Eles me pediram uma prestação de contas de 2019 no final de 2021. Mas como eu vou fazê-la se não recebi? Eles querem que eu emita notas de 2019, mas isso é impossível. Em primeiro lugar, eu não sabia que essa prestação antecipada constava do convênio. Nunca houve isso”, diz.
A lista de pedidos da Empetur à associação, compartilhada pela própria Helena, pede “notas fiscais ou faturas, com os devidos recibos, sendo pagos ou não, nas suas vias originais”.