Por Geraldo Eugênio*
O mercado de carne vem se tornando mais exigente ao longo do tempo. Antes, a maioria de nossa demanda era suprida por abate informal, realizado nas fazendas ou nos abatedouros, inspecionados ou não. Este produto chegava às bancas das feiras livres, mercados públicos ou açougues, muitos sequer possuíam câmaras frigoríficas.
Os miúdos consistiam em um mercado à parte e eram vendidos indiscriminadamente como bofes. Ainda lembro de um profissional do ramo que morava no meu bairro, o João Fateiro, e de seu esforço em trazer na cabeça uma bacia de miúdos das rezes, do abatedouro que ficava no outro extremo da cidade. Travava uma luta para conseguir, processar e vender em condições minimamente higiênicas.
O sal era o principal condimento de proteção e as mantas de carnes salgadas e as ossadas eram expostas e penduradas nas bancas e, nas casas de quem comprava, quase sempre em uma corda que ficava em cima do fogão de lenha ou carvão.
O assunto saúde pública não fazia parte do comércio e muito menos sanidade e conforto animal. Sequer se falava em febre aftosa, brucelose e muito menos na síndrome da vaca louca. A situação se tornou tão sensível que um caso único de vaca louca fez com que os Estados Unidos tivessem reduzida sua participação de modo drástico no mercado internacional o que permitiu o Brasil aproveita daquele momento e se fixar como um dos mais qualificados atores como produtor de alimentos proteicos de origem animal.
Por outro lado, com a ascensão do Cerrado como grande produtor de gado, a cada dia estados como Pernambuco se tornaram clientes do gado criado em Goiás, Tocantins, Maranhão e regiões mais distante. Chegando ao ponto de que 90% da carne comercializada nos supermercados pernambucanos tinha como procedência outros estados. Restava à pecuária pernambucana atender ao mercado de pequenas e médias cidades.
Quinta-feira, dia da criança e do agrônomo, 12 de outubro de 2022, ocorreu uma reunião na sede do IPA, em Serra Talhada, em que o Sr. Nelson Ferreira, proprietário e diretor do Frigorífico Masterboi e sua equipe se deslocaram ao Sertão para apresentar a empresa a produtores, empresários e técnicos e deixar claro que o frigorífico necessita de gado para abate.
Nelson, conforme seu depoimento, um homem de origem humilde, filho de marchante que comercializava no mercado de Afogados, em Recife, iniciou sua vida de empresário aos 18 anos, quando assumiu um boxe que havia pertencido a um irmão. Habilidoso e perspicaz, logo estava dominando o mercado de carne de grande parte de supermercados e restaurantes de Recife e região Metropolitana.
Atento ao que ocorria no sistema, viu que os estados do Pará e Tocantins seriam bons locais para instalar suas primeiras plantas que atualmente processam aproximadamente 1.000 animais por dia. O fato de haver se decidido por expandir seus negócios em Pernambuco é algo estratégico para o estado. Criou a demanda, agora cabe aos produtores serem incentivados de modo que Pernambuco volte a contar com um plantel de bovinos para carne que não apenas atenda a demanda da Masterboi mas também de outros pequenos e médios abatedouros, como o de Serra Talhada, com capacidade de processamento de 120 animais por dia.
Louve-se a ousadia de Nelson. Como ele vários empreendedores do Agreste e Sertão têm mudado a face da economia regional, o fato de ter separado uma semana de seu tempo para levar a mensagem de seu empreendimento e costurar alianças com os produtores dos mais diversos município de Pernambuco e, com certeza dos estados mais próximos a exemplo de Alagoas e da Paraíba é algo positivo. Iniciativas desta natureza são extremamente bem-vindas de modo a recolocar o país na rota de crescimento e traz opções reais de crescimento ao nordeste semiárido.
Em operação há três meses, no município de Canhotinho, no Agreste Meridional do estado, iniciou a operação abatendo 5 animais ao dia, hoje chega a 170 animais, mas contando com uma capacidade de abate e processamento de 700 bovinos, 100 suínos e 100 ovinos diários. Não é uma empresa qualquer. Sua demanda não será suprida ao acaso. A empresa, com certeza criará condições competitivas que atraiam os produtores locais. Ele sabe que sempre deverá concorrer com o abate nos pequenos e médios abatedouros e que o abate informal não deixa de existir por decreto. Será uma constante, mas à medida que a sociedade desperta para a qualidade do produto e desde que o preço da carne continue em um nível compensador não será difícil a conquista de produtores integrados. Afinal, entre Serra Talhada e o local onde o frigorífico está instalado são apenas 230 quilômetros, uma distância que não inviabiliza o negócio.
Conforme comentado em crônicas anteriores há espaço para o fortalecimento da pecuária regional, sejam de bovinos de corte e leite, quanto de caprinos, ovinos e suínos. Em uma empresa como a Masterboi consolidando os mecanismos de confiança com os pecuaristas sertanejos, outras empresas arão a ver a região como apta a produzir carne e leite, atraindo investimentos para os municípios do semiárido e dinamizando os negócios.
Sem esquecer que para tanto haverá a necessidade de uma ação mais dinâmica da academia, dos órgãos de fomento e fiscalização de modo que a competitividade seja encarada como um pré-requisito e que a inocuidade, a qualidade e sanidade dos produtos não sejam em momento algum questionadas.
*Geraldo Eugênio é Professor Titular da UFRPE/UAST.