Perdão do Fies deve chegar a R$ 38 bi e beneficiar 1 milhão de estudantes

Universitários em um campus aberto

O perdão da dívida do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), anunciado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) em dezembro, pode chegar a R$ 38 bilhões. São cerca de 1 milhão de estudantes que poderão ser beneficiados, com um valor médio perdoado de R$ 34.800.

Os dados são do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação. Foram solicitados pelo Poder360 ao órgão.

Eis a íntegra da resposta do FNDE.

Para que o renegociamento das dívidas seja possível, ainda é preciso que o Comitê Gestor do Fies publique uma resolução que irá regulamentar a medida. O documento está em fase final de avaliação. Deve ser publicado nos próximos dias.

A medida provisória 1.090/2021, que cria o perdão, foi publicada em 30 de dezembro pelo governo federal. Mas anda não há um relator definido. Aguarda despacho da Mesa Diretora para iniciar a tramitação no Congresso Nacional.

O Congresso precisa analisar e votar o texto até 29 de abril. A MP vale para alunos que aderiram ao Fies até o 2º semestre de 2017. Foram 3,1 milhões de contratos no período, mas destes ⅓ está inadimplente.

A dívida total é de R$ 113 bilhões, considerando os alunos em dia com as contas e os inadimplentes. O valor em atraso é de R$ 8,99 bilhões. A dívida dos inadimplentes é de R$ 38 bilhões. O perdão do governo valerá para a dívida total desses estudantes. Incluirá tanto os pagamentos em atraso quanto os pagamentos futuros, que ainda não venceram.

Segundo o Ministério da Educação não haverá impacto fiscal da MP nas contas do governo. O Orçamento, segundo o ministério, já previa a “perspectiva de não recebimento dos pagamentos” por esses estudantes.

O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Paulo Meyer afirmou que o impacto é nulo porque o governo considera que esse impacto já aconteceu. “Dívidas com mais de 90 dias de atraso é considerado dinheiro perdido”, afirma o pesquisador. “Então qualquer valor que for pago já é positivo.”

O MEC afirma que o objetivo da MP é  reduzir os índices de inadimplência do Fies e combater os impactos da pandemia. Mas a forma, o momento e a própria decisão do governo são alvos de críticas.

Perdão não resolve

Uma das críticas ao perdão da dívida do Fies é que a renegociação não vai impedir que a inadimplência volte no futuro. Para Meyer, a medida pode até incentivar o atraso nos pagamentos do programa.

“O problema da anistia, assim como outros perdões, é que se você faz uma vez, cria-se a expectativa de que será feito outras vezes”, afirma. “Tira o incentivo de pagar em dia, já que se pode pagar depois com melhores condições”.

Já para a União Nacional dos Estudantes (UNE), o perdão é necessário. “Se o estudante pudesse pagar, ele pagaria. Mas a inadimplência acontecer por questões complexas”, diz Bruna Brelaz, presidente do movimento.

Entre as questões citadas está a situação econômica brasileira, motivo pelo qual a UNE defende o perdão da dívida do Fies desde a crise econômica de 2015. A queda da renda, a inflação e o desemprego impactaram diretamente a capacidade de pagamento de dívidas estudantis, segundo Brelaz.

Os últimos dados disponíveis do IBGE, até o 3º trimestre de 2021, indicam que o desemprego entre jovens é mais que o dobro da taxa geral. Entre as pessoas com 18 a 24 anos, 26% estão desempregados. Na população geral, a taxa é de 13%.

O cenário econômico desfavorável também é comentado por Marcus Barão, presidente do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve).  “Desempregados não podem pagar dívidas. Então você cria uma geração endividada”, afirma. “O perdão ajuda a resolver um problema. Mas há outros, como a falta de emprego para os jovens”.

Para Barão, mesmo se houvesse impacto fiscal, o custo econômico seria muito maior se o o à educação não for possibilitado. “São jovens que podem ser mão de obra qualificada, criando bem-estar social e desenvolvimento econômico para todo o país”.

A presidente da UNE, Bruna Brelaz, afirma ainda que o perdão deveria ser para todos os endividados – não só os que aderiram ao Fies até o 2º semestre de 2017. Segundo ela, os alunos com contratos posteriores também foram impactados pela situação econômica impulsionada pelos impactos da pandemia de Covid-19.

Brelaz afirma que o perdão precisa vir acompanhado de um “debate de reestruturação do Fies”. O pesquisador do Ipea Paulo Meyer também defende que a solução é a reestruturação do programa.

A lei 13.530/2017 alterou a base de pagamento do Fies. Cada estudante pagaria uma parcela variável, que seria associada a sua renda familiar per capita. Não seria mais um valor fixo, que não considera a situação de emprego. Mas a lei não foi colocada em prática até agora.

Segundo Meyer, o problema é a lei não mostrar como alguns procedimentos funcionariam. Ele cita que a norma não indica como seria o processo para verificar a renda do estudante, nem como seria o recolhimento dos pagamentos com base nessa base variável.

A Receita Federal, que tem o aos dados de renda, não poderia realizar essas funções, porque ela não pode recolher pagamento de financiamentos. Só tributos. Uma alteração dessas regras precisaria ser aprovada pelo Congresso.

“Precisa fazer o que falta para o Fies ser ligado à renda”, diz Meyer. “Se continuar com o mesmo modelo, outra anistia será necessária, sem dúvida”.