Precariedade do transporte escolar desafia permanência de alunos na rede pública de Pernambuco

Nova frota, velhos problemas: precariedade do transporte escolar desafia permanência de alunos na rede pública de Pernambuco 

LeiaJá

Por uma longa estrada de terra que serpenteia os canaviais, a estudante Renata* atravessa as manhãs tentando chegar ao futuro. Entre a comunidade em que vive, localizada na zona rural de Moreno, na Região Metropolitana do Recife, e a escola em que estuda, quarenta minutos longos de deslocamento são percorridos em um Transporte Escolar lotado. Pelo caminho, intransponível nos dias de chuva, caronas irregulares retardam a viagem em razão da baixa oferta de transporte público para moradores de comunidades próximas. “Graças à carona, elas não precisam andar tanto para chegar aos seus destinos. O problema maior é quando chove, porque a estrada é de terra e, às vezes, o ônibus atola”, lamenta. Se chegar na escola é cansativo, a volta para casa tem como companheira de viagem a frustração pela exclusão compulsória de parte das atividades oferecidas pela unidade de ensino. “Como a maioria das turmas larga de meio-dia, o ônibus não vai esperar até 16h, então acabo perdendo as aulas da tarde”, lamenta. Embora o Governo de Pernambuco tenha investido R$ 549.670.271,00 na aquisição do veículos, as dificuldades enfrentadas por Renata revelam a complexidade dos problemas enfrentados pelo serviço de transporte escolar no estado.

Em 2024, a gestão estadual já entregou, por meio do programa Juntos pela Educação, 454 veículos aos municípios pernambucanos. A previsão é a de que mais 454 sejam entregues ao fim do ano, graças a um investimento de 549.670.271,00 na aquisição do veículos. Circulando por três municípios pernambucanos, a reportagem do LeiaJá observou que, apesar do alto custo aos cofres públicos, a nova frota já apresenta componentes, como para-choques e lanternas, quebrados, oferecendo caronas a adultos sem fardamento escolar e circulando com pessoas em pé.

Na Avenida João Pessoa Guerra, uma das principais da Ilha de Itamaracá, uma mãe aguarda apreensiva o transporte escolar do filho. “Quando o ônibus a aqui, já chega lotado. Meu filho se desloca em pé na porta do veículo, a gente fica com medo. Até o embarque é complicado”, reclama. Ao lado dos dois, uma mulher também aguarda ônibus. Seu destino, contudo, é o local onde trabalha. “Vou pegar carona para Jaguaribe. Muita gente pega, pula catraca. Às vezes, pago agem, mas às vezes estou sem dinheiro”, explica.

As caronas irregulares também são motivo de preocupação para Ana*, que se desloca diariamente do bairro de Tiúma, na periferia de São Lourenço da Mata, para a Escola de Referência Conde Correia de Araújo, na Vila do Reinado. De acordo com a estudante, a entrada de desconhecidos no transporte escolar chega a ser assustadora nos dias em que há conflitos entre facções armadas que atuam em sua comunidade. “A gente tem medo deles pegarem o escolar e levarem a briga lá pra dentro”, lamenta. A mãe da estudante conta que, nos dias em que pode pagar as agens, pede que a filha evite o transporte escolar. “Esses escolares não tem segurança nenhuma pra gente colocar nossos filhos dentro. Faço de tudo para ter algum dinheiro para pagar agem de Kombi ou ônibus normal. Ela sai cedo demais, larga às cinco da noite, chega em casa muito tarde, porque espera mais de uma hora pelo ônibus para voltar”, afirma.

Para Ana, a grande tempo de espera pelo transporte prejudica seu rendimento escolar. “Às vezes, chego cansada em casa e não aguento mais estudar nada. Também acontece de ônibus quebrar. Uma vez quebrou em um local que não tinha um ponto de espera próximo. Teve que descer todo mundo e voltar para casa andando”, lembra.

A reportagem recebeu imagens enviadas por estudantes usuários do transporte público de São Lourenço da Mata. Nelas, é possível ver que o interior de alguns veículos se encontra sujo, com assentos quebrados e peças riscadas. Após a entrevista, a reportagem acompanhou Ana até o ponto em que espera o transporte escolar, localizado a cerca de dois quilômetros de sua casa. Na ocasião, a estudante embarcou em um ônibus lotado, junto a pessoas sem fardamento escolar que aguardavam na estrada. O veículo, de placa EJV5G68, também não consta na frota regularizada pelo município junto ao Detran-PE.

A diretora para assuntos educacionais do Sindicato dos Professores de Pernambuco (Sintepe), Marília Cibelli, acredita que a precariedade do transporte escolar estimula a evasão escolar. “As dificuldades para muitos estudantes começam assim que eles cruzam a porta de casa. Longas caminhadas e alto tempo de espera diminuem a disposição para estudar. Tenho relatos de estudantes que acordam tão cedo para pegar o ônibus que acabam nem tomando café da manhã em casa, chegando na escola com fome. Isso afeta sim e desestimula muitas vezes esses estudantes a prosseguir com os estudos”, pontua.

Para Marília, a questão do transporte escolar também contribui para a piora das condições de trabalho dos professores. “Qual o rendimento esse estudante vai ter? Hoje a gente tem uma legislação que tem se consolidado quanto ao o e a permanência na escola, mas a gente ainda tem muito o que avançar, principalmente na fiscalização de recursos. É uma vergonha que a gente tenha ônibus nessas condições, porque muitas vezes é a prefeitura que não presta conta. A gente vê até o transporte da educação básica sendo até utilizado pra estudantes do ensino superior”, completa.