Pressão arterial acima de 12 por 7 deixa de ser considerada normal nas novas regras europeias, que serão replicadas no Brasil; entenda

Entidades reavaliam valores que classificam uma pressão 'normal'.

Novas diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC, da sigla em inglês), publicadas neste ano, trouxeram uma mudança importante em relação às regras anteriores. Agora, uma pressão arterial a partir de 12 por 7 até 13 por 8 deixa de ser considerada normal e a a integrar numa categoria nova chamada de “pressão elevada”, que vem antes do diagnóstico de hipertensão propriamente dito.

As alterações seguem evidências científicas mais recentes que mostraram que os efeitos na saúde dos diferentes valores que antes englobavam a faixa considerada “normal” não eram iguais. Um aumento da pressão, ainda que não suficiente para ser diagnosticado como hipertensão, já é associado a maiores riscos à saúde e pode se beneficiar de um tratamento.

O especialista do Instituto Nacional de Prevenção e Saúde Cardiovascular da Irlanda, John William McEvoy, autor das novas diretrizes, resume que a mudança serve “para refletir que o risco de doenças cardiovasculares atribuível à pressão alta está em uma escala de exposição contínua, e não é uma escala binária de normotensão (pressão normal) versus hipertensão”.

— O que se vê é que, se mantendo uma pressão com boa perfusão dos órgãos, quanto mais baixa ela estiver, melhor, porque ela atua como um protetor especialmente cardiovascular. Isso está muito de acordo com estudos que avaliaram o comprometimento global de doenças cardiovasculares, explica Aurora Issa, diretora do Instituto Nacional de Cardiologia (INC), unidade de referência do Ministério da Saúde.

A cardiologista Ana Amaral, coordenadora da emergência do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro, lembra ainda que, nesse sentido, “não existe limite do que é uma pressão baixa”: — Se alguém tem uma pressão 10 por 6, por exemplo, que é um pouco inferior à média, mas está saudável e sem nenhum sintoma, como sonolência, mal estar, então é a pressão normal daquele indivíduo.

Já em relação à pressão elevada, a nova categoria introduzida nas regras é definida oficialmente como uma pressão arterial sistólica entre 120 e 139 mmHg ou diastólica entre 70 e 89 mmHg. Já a hipertensão arterial permanece como uma pressão sistólica igual ou acima de 140 mmHg ou diastólica igual ou superior a 90 mmHg.

No Brasil, as regras vigentes foram elaboradas em 2020 e ainda definem que uma pressão de 12 por 7 enquadra-se como “normal”. No entanto, as normas vão mudar no primeiro semestre de 2025 com a publicação de novas diretrizes pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), que devem seguir o estipulado na Europa.

— Existe uma forte tendência de seguirmos as diretrizes europeias recém-publicadas, porque costumamos trabalhar de forma muito próxima. Tudo é baseado em ciência, os estudos mais recentes mostraram que já a partir de 12 por 7 começamos a escalonar o risco cardiovascular. É principalmente um alerta à população, já que acima de 20 anos um terço das pessoas é hipertensa, de que é preciso se cuidar, diz Fábio Argenta, membro do Comitê de Comunicação e da Comissão de Ética Profissional da SBC.

Há ainda outros pontos novos abordados pela entidade europeia. Além de trazer uma maior atenção, as diretrizes europeias estabelecem que alguns públicos podem já se beneficiar de tratamento ao integrarem a faixa de “pressão elevada”, explica Ana:

— Antes, nessa faixa, era permitido ficarmos sem tratamento, mas com os novos estudos vimos que vale a pena já ter uma atenção maior, especialmente para o paciente de risco, como aquele que já infartou, tem doença coronariana, placas de gordura nas artérias, alterações cardíacas. Nesse caso, indicamos inicialmente mudanças de estilo de vida, como cessar o tabagismo, reduzir consumo de sal, praticar atividade física, ter uma alimentação equilibrada, diminuir o sobrepeso. Se ele não consegue ajustar o estilo de vida, ou se, mesmo mudando os hábitos, a pressão não cai, nós iniciamos o tratamento medicamentoso.

As regras trazem ainda novos parâmetros para realizar o diagnóstico da “pressão elevada” ou da hipertensão. As mudanças já são preconizadas no Brasil desde abril deste ano, quando a SBC emitiu novas regras sobre a prática. As orientações estabelecem que o diagnóstico não deve mais considerar somente os resultados da medição pelo médico no consultório ou no hospital, mas também a domiciliar.

— A medida dentro do consultório a a ser uma triagem e, para confirmar o quadro, é preciso medir fora também. Quando medido em casa, acima de 13 por 8 nós já consideramos hipertensão arterial, o que vamos manter. As medidas fora do consultório afastam algo que chamamos de fenótipos da hipertensão arterial, que é a hipertensão do avental branco, a hipertensão mascarada. Existe uma parcela significativa da população que quando vai ao médico está mais tensa, nervosa, e isso aumenta a pressão. Então a medida em casa afasta o efeito do médico na medida e acabamos tendo um valor mais fidedigno, explica Argenta.

No entanto, não é qualquer medição feita em casa que vai auxiliar no diagnóstico. A avaliação precisa ser com dispositivos que sigam as técnicas de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) ou de Monitorização Residencial da Pressão Arterial (MRPA).

A MAPA é um equipamento que se coloca na cintura e monitora a pressão de 20 em 20 minutos durante 24 horas. Já a MRPA é um aparelho que o paciente leva para casa e mede de manhã e à noite, sempre em repouso, durante cinco dias. O MAPA é padrão-ouro, mas a MRPA é mais prática. Os aparelhos podem ser encontrados em farmácias por valores que variam de R$ 100 a R$ 200.

Os especialistas esperam que as novas regras levem a um olhar mais atento da população para a importância de se estar com a pressão controlada. Ana, do Pró-Cardíaco, lembra que a doença é silenciosa, por isso muitas pessoas nem mesmo sabem que têm hipertensão:

— Essa história de que estou com pressão alta e sinto uma dor na nuca não condiz muito com a realidade. Porque a hipertensão causa poucos sintomas, então a despercebida. O paciente que não sabe, não faz consulta de rotina, não frequenta o médico, fica sem saber que tem o diagnóstico.

No ano ado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um primeiro grande relatório sobre o tema. Os dados mostraram que 1 a cada 3 adultos no planeta tem hipertensão, porém metade não sabe e somente 1 a cada 5 segue o tratamento adequado. No Brasil, a situação é um pouco melhor: embora uma parcela maior da população adulta tenha hipertensão (45%), 62% dos pacientes realizam o tratamento.

— As pessoas se preocupam muito com valores da pressão pensando que isso pode causar algo de uma forma aguda, mas o grande problema da pressão alta é que ela causa lesões nos órgãos alvos a longo prazo, que são caracterizadas principalmente por doenças cardíacas, derrames, insuficiência renal e problemas oculares. Mas como temos artérias no corpo todo, todos os órgãos podem ser acometidos, acrescenta Aurora, do INC.

De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, o Brasil registrou 386 mil mortes por doenças do aparelho circulatório em 2023. Segundo as estimativas da OMS, 54% desses óbitos são atribuíveis à pressão alta como principal fator de risco.

— E entre os pacientes que sabem que têm hipertensão, muitos não a têm controlada. Os grandes desafios hoje nesses casos são a adesão pelo paciente, seja às mudanças ao estilo de vida, seja aos medicamentos, e muitas vezes a inércia do médico em iniciar de forma adequada o tratamento, diz Argenta.

Os especialistas reforçam que os medicamentos atuais têm poucos efeitos colaterais e contam preços íveis, estando até mesmo disponíveis de forma gratuita pelo Farmácia Popular. E enfatizam que o tratamento é muito efetivo, podendo evitar desfechos graves que muitas vezes causam limitações no dia a dia, ou mesmo levam à morte.