Sem água na torneira, comida mais cara: o suplício das famílias em seca histórica na Amazônia

Trabalhador enchendo caixa d'água a partir de caminhão-pipa em Rio Branco, no Acre

BBC Brasil

A Amazônia concentra 20% de toda a água doce do mundo, mas na casa de Maria, de 63 anos e moradora de Rio Branco, no Acre, não há água nas torneiras.

Casada e mãe de dois filhos, ela está dependendo da Prefeitura local para receber 3.000 litros de água, entregues de caminhão-pipa semanalmente.

“Se a gente lava uma roupa, tira a última água para ar pano na casa, lavar a calçada. Vamos economizando, por que a gente vive na expectativa, nunca sabe se vai ter água ou não”, conta Maria, que pediu para ter seu sobrenome preservado.

“Às vezes o pipa da prefeitura dá algum problema e não vem, daí temos que gastar R$ 50 para comprar uma caixa de 1.000 litros. É assim, é muito sofrido”.

A família de Maria é uma das mais de 4 mil famílias que estão sendo abastecidas por caminhões-pipa da Operação Estiagem, iniciada pela Defesa Civil do Rio Branco em julho e que este ano deve se estender até meados de dezembro.

Em 2021, a operação atendia 10 comunidades, mas este ano já são pelo menos 30, num momento em que o Rio Acre, que abastece a capital do Estado, chegou a bater no nível de 1,44 metro, apenas 19 cm acima da mínima histórica de 1,25 metro, registrada em outubro de 2022.

“Estamos com 40% de perda de produção em culturas como mandioca, banana, café, na piscicultura [criação de peixes] e na bacia leiteira, isso representa 40% de perda na economia do produtor na zona rural”, estima o tenente-coronel Cláudio Falcão, coordenador da Defesa Civil em Rio Branco.

“Na zona urbana, há um aumento das doenças respiratórias devido às queimadas e alto risco de desabastecimento de água na capital. Temos nos desdobrado para manter o abastecimento nos bairros onde a água não tem pressão suficiente, mas os caminhões-pipa já estão sendo insuficientes para a demanda, lembrando que, com a seca, o consumo de água aumenta”.

Na semana ada, o governo do Acre declarou estado de emergência, citando a superlotação das unidades de saúde devido à má qualidade do ar e altas temperaturas.

“Entre 23 de junho e 4 de agosto, amos 41 dias sem um pingo de chuva e, agora em setembro, a média histórica é de 91 mm e até agora temos a metade disso”, diz Falcão.

Dois fenômenos climáticos simultâneos

Os três acontecimentos, chuva em excesso no Sul, temperaturas acima da média na primavera e seca no Norte, têm uma causa em comum: o El Niño, aquecimento das águas do Pacífico.

Mas, este ano, o El Niño ocorre simultaneamente a um aquecimento do Atlântico Tropical Norte.

É a combinação dos dois efeitos que está agravando a seca na Amazônia e pode atrasar a próxima estação chuvosa na região – que normalmente começa em meados de outubro, em até 45 dias, afirma o meteorologista Renato Senna, do Inpa.